‘Não sou Caetano nem sou melancólico’, Jards Macalé mantém o vigor
Em entrevista ao bahia.ba, cantor e compositor fala de música, cinema, relação com os baianos e comenta ainda o momento político do país. Confira
Um dos mais criativos e importantes artistas da música brasileira, Jards Macalé, de 73 anos, se mantém um jovem entre os jovens. Seu som combina vigor e experiência – se quisermos evitar a palavra tradição. E é nessa condição de jovem veterano, de medalhão inquieto, que Macao se apresenta em Salvador no Festival Radioca, neste sábado (3), figurando na grade ao mesmo tempo como garantia e risco. Risco, no sentido em que poesia é risco. Leitor de Manuel Bandeira, chamado de “maldito” desde o início da carreira, ainda nos anos 1960, nesta entrevista (por telefone) exclusiva ao bahia.ba, ele diz acreditar que já não cabe mais na definição. “Esse rótulo teve a sua função, mas agora isso já deu”, diz.
Sempre bem-humorado, Macalé comenta ainda a descrição que recebeu no filme “A Cidade Onde Envelheço” (2013), de Marília Rocha, em que uma personagem o classifica como uma espécie de “Caetano melancólico”. Aliás, ele fala também da relação com o próprio Caetano após a “treta” em torno do disco “Transa” (1975) e de sua profícua parceria com baianos. De peito aberto, garante: “É muito bom tocar na Bahia e é muito bom estar entre baianos”.
A conversa gira ainda em torno de sua relação com o cinema (em que atuou algumas vezes à frente das câmeras), o momento político do Brasil e o engajamento das novas gerações, internet e o possível fim da canção. Autor de clássicos como “Vapor Barato” e “Mal Secreto”, Macalé é sempre promessa de novo sopro e novas versões para eternas verdades. Confira:
Bahia.ba: Como será o show no Festival Radioca, tem novidades, qual a formação?
Jards Macalé: Bom, a formação é um trio, com Domenico Lancellotti na bateria, Alberto Continentino no baixo e eu ao violão. E o repertório é basicamente o do disco de 1972 [“Jards Macalé”, o que tem “Mal Secreto”, Let’s Play That” etc], do “Aprender a Nadar”, que é de 1974, e também algumas coisas outras, que estamos experimentando para um álbum novo que sairá em 2017.
.ba: E por falar em “Aprender a Nadar”, pensando no momento conturbado que o país vive agora, semelhante àquele do lançamento do disco, você acha que o Brasil um dia aprenderá a nadar ou sempre morrerá na praia?
JM: (risos) É, o Brasil parece que não aprende né? E não tem nem uma boia (mais risos). Vivemos um momento político muito grave, preocupante, terrível. Mas acredito que sim, um dia este país aprende a nadar. Tem que aprender!
.ba: Arto Lindsay observou que o público baiano (assim como o carioca) tem uma musicalidade equivalente a dos artistas e que isso estimularia uma superação no palco. Você concorda? É especial tocar na Bahia?
JM: Olha, é especial sim. É muito bom tocar na Bahia e é muito bom estar entre baianos. E, de fato, os baianos têm uma musicalidade especial, são muito musicais. Os meus parceiros são todos baianos, já reparou? Waly Salomão, José Carlos Capinan, o poeta Duda Machado, e o próprio Rogério Duarte. Agora, se você toca com sinceridade, com verdade, é especial tocar em todo lugar.
.ba: Por falar nessas parcerias baianas, você é muito lembrado pela colaboração com Caetano, no disco “Transa”, como produtor e músico. E, recentemente, no filme “A Cidade Onde Envelheço” (2013), de Marília Rocha, em uma cena você é descrito como um “Caetano melancólico”, o que acha dessa definição?
JM: Caetano melancólico? Eu? (risos). Isso é uma bobagem. Onde é que está essa história?
.ba: No filme “A Cidade Onde Envelheço”, um filme brasileiro recente. Em determinada cena uma personagem pede para ouvir Caetano e outra coloca uma canção sua, “Soluços”, e diz que você é uma espécie de “Caetano melancólico”.
JM: Ah sim, mas que nada, isso é uma bobagem pura. Eu não sou Caetano e nem sou melancólico! (risos).
.ba: E sobre esses rótulos que colam aos artistas e às vezes os definem, às vezes os limitam, como você encara hoje essa história de “maldito”?
JM: No início até que foi bom, era um elogio não é? Significava alguém que não se entregava, um contestador e tal. E também era legal por me colocar na turma de Baudelaire,Rimbaud… os poetas malditos. Enfim, esse rótulo teve a sua função, mas agora isso já deu. Agora eu não sou mais maldito não (risos).
.ba: E, já que citamos Caetano e o “Transa”, como ficou aquela “treta” [o nome de Macalé e dos outros músicos não figurava na ficha técnica] do crédito do disco, se resolveu?
JM: Já foi resolvido há muito tempo. Somos amigos. Aquilo ali foi só um detalhe (risos). Eu fui diretor musical e violonista no álbum, e nós fizemos um grande disco. A questão do crédito já foi resolvida sim.
.ba: Você atuou há pouco tempo no longa “Big Jato” (2014), do Cláudio Assis, adaptação do livro de Xico Sá. E não foi sua primeira vez se arriscando como ator. Como se deu essa sua relação com o cinema?
JM: Ah, vem de longe. Começou com meu primeiro convite de participar da trilha sonora e como ator no “Amuleto de Ogum” [1974], de Nelson Pereira dos Santos. Depois eu fiz também com ele o “Tenda dos Milagres” [1977], no qual eu interpretei o Pedro Archanjo… E venho fazendo algumas coisas no decorrer dos anos. Mas eu não sou ator não! (risos) Participo porque eu gosto e quando me convidam. No mais, faço só a trilha sonora mesmo.
.ba: E desta nova geração do cinema nacional, a geração Kléber Mendonça Filho, o senhor gosta, dá para comparar com o Nelson?
JM: Nelson é Nelson (risos). Mas eles são talentosíssimos, sim, e no cinema cabe todo mundo que tem alguma coisa a mostrar. Além dele, tem o Cláudio Assis, que a gente sabe que é um ótimo talento, o Luiz Ferreira também… Pernambuco tá muito bem de cinema.
.ba: E da nova geração da música, você acompanha, tem preferência por alguém?
JM: Acompanho, mas não gosto assim de destacar nomes, porque pode ser injusto com outros. Eu gosto da Ava Rocha, da Alice Caymmi, do Rômulo Fróes, de vários. Essa moçada que está aí na batalha, fazendo muita música boa, e lutando contra a preguiça dos veículos, rádio e televisão, que não têm coragem de tocar coisas novas.
.ba: Pois é, essa turma que você cita tem a internet como principal plataforma. E como é a sua relação com a internet?
JM: Eu uso, como todo mundo, tenho um site oficial, uma página no Facebook, essas coisas… não é? E acho bacana a possibilidade de veicular música por ali, através de streamming. Estou lá, estou aqui, mas não sou um grande internauta (risos).
.ba: Tem-se falado ainda no tal “fim da canção”. Você, que experimenta muitas formas dentro do formato canção, acredita nisso?
JM: Não, isso é outra besteira. A canção não tem fim. Ela se transforma, aparecem novos formatos, novas maneiras de fazer, mas a canção continua…
.ba: Sim, o rap, por exemplo, para alguns é um novo formato de canção, para outros é a última pá de cal sobre ela. Como é que você, parceiro de Moreira da Silva, aquele que pode ser considerado o primeiro rapper brasileiro, se relaciona com o rap, o hip hop?
JM: Eu me interesso, sim, gosto. Não fico pensando se tal música é rap, é hip hop, é não sei o quê. Eu vejo o rap como um novo formato de canção. Para mim, não significa o fim dela, muito pelo contrário.
.ba: Voltando a falar nos seus parceiros baianos, você fez “Gotham City” com Capinan, uma música de protesto frontal. Acha que hoje atitudes assim estão faltando?
JM: Eu acho que não. Claro que não tá uma coisa explícita, como era antes, mas as coisas continuam, sim. A nova geração é bem politizada e faz as coisas ao modo dela. “Gotham City” cabe exatamente nesse momento. “Existe um abismo na porta principal” e nós não chegamos nem na porta principal (risos).
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