Eternamente Fatal: oito discos essenciais para celebrar 80 anos de Gal Costa
Do tropicalismo à reinvenção nos anos 2000, uma viagem por uma discografia que marcou a história da música brasileira
João Lucas Dantas
Foto: Reprodução/ Redes sociais
O nome dela era Gal. Nesta sexta-feira (26), faria 80 anos. Nasceu na Barra Avenida, na Bahia, em 1945. Todo dia sonhava com alguém para ela. Acreditava em Deus, gostava de baile e cinema. Admirava Caetano, Gil, Roberto, Erasmo, Macalé, Paulinho da Viola, Lanny, Rogério Sganzerla, Jorge Ben, Rogério Duprat, Waly, Dicinho, Nando e o pessoal da pesada.
Maria da Graça Costa Penna Burgos, conhecida como Gal Costa, estaria completando seu octagenário. Uma das maiores cantoras e intérpretes do Brasil, quiçá do mundo. Baiana, doce bárbara e eterna nas suas canções, nos deixou em 2022, aos 77 anos, mas o legado é eterno. Ou melhor: Eternamente, como cantava. Para celebrar sua vida e obra, o bahia.ba separou oito discos essenciais para conhecê-la, em comemoração pelas oito décadas, passando por diversas fases de sua carreira.
Capa de Gal Costa – 1969
Gal Costa – 1969
Começaremos nos anos 60, para falar sobre o primeiro álbum solo Gal Costa, lançado em 1969, considerado um marco na música brasileira e um dos maiores ícones do movimento Tropicália. Este trabalho consolidou a cantora como uma das artistas mais inovadoras e ousadas de sua geração. A sonoridade mistura elementos de bossa nova, rock psicodélico e pop experimental, refletindo a liberdade criativa do movimento. A crítica especializada considera este álbum como um dos mais representativos da música brasileira.
Lançado pela gravadora Philips, são 12 faixas que somam 39 minutos de músicas que alçaram Gal a uma categoria verdadeiramente estratosférica (mas esse é papo para o fim do texto). Com produção de Manoel Barenbein e arranjos de Rogério Duprat (1936–2006). Clássicos como Não Identificado e Divino Maravilhoso, ambas de Caetano Veloso, a segunda em parceria com Gilberto Gil, já marcavam presença no primeiro trabalho solo.
Falando na dupla de baianos, eles também participaram de duas faixas cada. Gil dividiu os microfones com Gal em Sebastiana, de Rosil Cavalcanti, e em Namorinho de Portão, do também baiano Tom Zé. Já Caetano participou da gravação de Que Pena (Ele Já Não Gosta Mais de Mim), do carioca Jorge Ben Jor, e de outro marco, Baby, de autoria do próprio.
O álbum permanece como uma obra-prima da música brasileira, refletindo a ousadia e a criatividade do movimento Tropicália. Sua fusão de estilos e influências continua a inspirar e encantar ouvintes ao redor do mundo.
Capa sem censura de Índia – 1973
Índia – 1973
Já Índia, quinto álbum de estúdio de Gal, foi lançado em julho de 1973 pela Philips Records, com nove faixas que totalizam 38 minutos. Este trabalho também é considerado um marco na música popular brasileira, destacando-se por sua ousadia artística e musical. O disco apresenta uma fusão de estilos como MPB, folk, jazz, funk e rock psicodélico.
A direção musical ficou a cargo do tropicalista Gilberto Gil, e a produção foi de Guilherme Araújo. Entre as faixas, destacam-se a homônima Índia, versão da guarânia de José Asunción Flores e Manuel Ortiz Guerrero; Volta, de Lupicínio Rodrigues (1914–1974); e Desafinado, de Tom Jobim (1927–1994) e Newton Mendonça (1927–1960).
A capa original do álbum, fotografada por Antonio Guerreiro e com concepção de Waly Salomão (1943 – 2003), mostrava Gal semi-nua, vestida com trajes indígenas, o que gerou controvérsia. Durante a ditadura militar, a imagem foi considerada “atentatória à moral e aos bons costumes” e foi censurada. O disco foi vendido com uma capa alternativa opaca. Em 2015, a artista revelou a capa original em suas redes sociais, compartilhando a imagem com seus fãs.
O disco a consolidou como uma das maiores vozes da música brasileira. O álbum é reconhecido por sua ousadia artística e por sua capacidade de mesclar tradição e inovação.
Capa de Gal Tropical – 1979
Gal Tropical – 1979
O 13º álbum foi concebido a partir do espetáculo homônimo, que estreou em janeiro de 1979 no Teatro dos 4, no Rio de Janeiro. O show foi um grande sucesso de público e crítica, marcando uma virada na carreira de Gal Costa, que passou a se apresentar com uma imagem mais glamourosa e acessível ao grande público. O disco, lançado também pela Philips Records, com 12 faixas e 41 minutos, contou novamente com a produção de Guilherme Araújo.
O espetáculo foi uma das apresentações mais marcantes da carreira da cantora. Além de promover o lançamento, também representou uma mudança significativa na sua imagem, que passou a se apresentar com trajes mais sofisticados e uma postura mais teatral. O sucesso foi tanto que o show percorreu diversas cidades do Brasil e do exterior, incluindo apresentações no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça.
O repertório inclui faixas de grande destaque, como Força Estranha, composição de Caetano Veloso originalmente escrita para Roberto Carlos, numa interpretação memorável da cantora. Esta música foi um dos temas principais da novela Os Gigantes, da TV Globo. Outra música de destaque é Balancê, de Alberto Ribeiro (1902 – 1971) e João de Barro (1907 – 2006), uma marcha carnavalesca gravada por Carmen Miranda (1909 – 1955), em 1937, cuja versão se tornou o grande sucesso do disco, tornando-se o carro-chefe do carnaval de 1980 e a música mais tocada nas rádios naquele ano.
Aqui, até Índia foi regravada com nova interpretação. Meu Nome É Gal também integra o disco, funcionando como uma regravação que remete aos primeiros sucessos da artista. Além dessas, o álbum conta com outras faixas como Samba Rasgado, Noites Cariocas (Minhas Noites Sem Sono), completando um conjunto diversificado que mistura tradição, inovação e a voz marcante da cantora.
Gal Tropical consolidou sua diversidade, capaz de transitar com maestria entre diferentes estilos e públicos. O álbum teve grande sucesso comercial e notoriedade na época.
Capa de Fantasia – 1981
Fantasia – 1981
Fantasia é o 15º álbum de estúdio da cantora Gal Costa. O lançamento ocorreu em novembro de 1981 no Brasil, pela gravadora PolyGram/Philips. A lista de faixas apresenta dez canções de diferentes gêneros musicais, tais como frevos, marchinhas, samba-exaltação e baladas, e regravações de sucessos da década de 1940, de consagrados compositores daquela época.
Entre os autores destacam-se nomes conhecidos como David Nasser, Alcyr Pires Vermelho, Caetano Veloso, Djavan, Moraes Moreira e Abel Silva. Para promovê-lo, dois compactos simples precederam o lançamento: Festa do Interior e Meu Bem, Meu Mal, o primeiro obtendo grande repercussão nas rádios e, segundo fontes da época, alcançando certificação comercial.
O show Fantasia estreou no Canecão, no Rio de Janeiro, em 1981 e, apesar de alguns problemas técnicos, teve boa aceitação do público; em 1982 a turnê Festa do Interior percorreu diversas cidades brasileiras.
Capa de Profana – 1984
Profana – 1984
Lançado em novembro de 1984, Profana é o 18º álbum de estúdio de Gal Costa. Este trabalho marcou sua volta à RCA (agora Sony Music), após uma longa passagem pela Philips. O álbum foi um sucesso imediato; reportagens da época registram vendas muito altas logo após o lançamento (há referência a 400 mil cópias vendidas em dois meses). A produção foi assinada por Mariozinho Rocha, e o disco apresenta uma seleção de composições de grandes nomes da música brasileira.
Nas 10 músicas, que somam cerca de 39 minutos, Vaca Profana, de Caetano Veloso, é uma das canções mais icônicas. A letra celebra a liberdade e a contracultura, características que marcaram momentos da carreira da cantora. Outro sucesso do álbum é Chuva de Prata, de Ed Wilson (1945 – 2010) e Ronaldo Bastos, com participação especial do grupo Roupa Nova. A versão em português de Lately, de Stevie Wonder, Nada Mais, com versão de Ronaldo Bastos, também é destaque.
O álbum conta ainda com De Volta ao Começo, de Gonzaguinha (1945 – 1991), Topázio, de Djavan, Ave Nossa, de Moraes Moreira (1947 – 2020) e Beu Machado, e um pot-pourri de forró com composições populares, demonstrando toda sua versatilidade.
Profana é um disco essencial na discografia de Gal, tanto pelo sucesso comercial quanto pela qualidade artística.
Capa de Aquele Frevo Axé – 1998
Aquele Frevo Axé – 1998
Pulando para o final da década de 1990, lançado em 98, Aquele Frevo Axé é o 24º álbum de estúdio. O disco reúne 14 faixas que mostram o alcance da cantora, transitando entre estilos da MPB contemporânea com pitadas de frevo, axé, pop e influências eletrônicas. O álbum mescla repertório inédito com releituras, trazendo nomes como Tim Maia (1942 – 1998), Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto, Luiz Gonzaga (1912 – 1989), Jorge Ben Jor e Herbert Vianna.
Nos aproximadamente 58 minutos, destacam-se Imunização Racional (Que Beleza), de Tim Maia, que abre o disco com sonoridade marcante. A Voz do Tambor, em que divide a voz com Milton Nascimento, eleva o tom com sua proposta rítmica envolvente, enquanto a faixa-título Aquele Frevo Axé evidencia o diálogo de Gal com elementos carnavalescos e festivos. Há ainda Esquadros, de Adriana Calcanhotto, e Assum Branco, de Luiz Gonzaga, que reforçam sua capacidade interpretativa.
Do ponto de vista técnico e de produção, combina instrumentos acústicos, sopros, cordas, arranjos modernos e influências eletrônicas, tudo sustentado pela sua interpretação. O disco recebeu certificação comercial (disco de ouro) por vendas no Brasil.
Em resumo, o disco mostra Gal olhando para frente sem esquecer suas raízes, trazendo o frevo, o axé e o pop para um repertório que celebra tradição e acena para a modernidade.
Capa de Gal Canta Caetano – 2004
Gal Canta Caetano – 2004
Iniciando a década de 2000, o álbum Gal Canta Caetano, lançado em 2004, é uma homenagem ao compositor e amigo de longa data. Nele, a cantora interpreta 14 canções marcantes de Caetano, unindo sua voz refinada à poesia e à inventividade musical do parceiro. O trabalho reafirma a conexão artística estabelecida desde os tempos do tropicalismo, trazendo releituras intensas e contemporâneas. A edição foi lançada pela RCA Records em 2004 e tem aproximadamente 58 minutos de duração.
O disco reúne clássicos como Vaca Profana, Baby, Tropicália, Milagre do Povo e O Amor. Cada uma dessas canções ganha uma nova camada de interpretação na voz de Gal, que imprime emoção e força, ao mesmo tempo em que respeita a essência das composições originais de Caetano.
A recepção crítica e pública foi bastante positiva, consolidando o álbum como uma celebração da amizade e da parceria artística entre Gal Costa e Caetano Veloso.
Capa de Gal Estratosférica – 2016
Estratosférica – 2015
Estratosférica é o 36º álbum de estúdio de Gal, lançado em 2015 pela Sony Music. A produção musical contou com Moreno Veloso e Kassin, com direção artística de Marcus Preto. O álbum foi gestado ao longo de 2014, com a cantora entrando em estúdio no final daquele ano.
O repertório traz 16 canções, somando cerca de 54 minutos, com composições inéditas de Mallu Magalhães, Caetano Veloso (em parceria com o filho Zeca), Marisa Monte (com Arnaldo Antunes), Tom Zé, Thalma de Freitas, João Donato, entre outros.
No plano artístico, Estratosférica busca um diálogo entre o passado e o presente da música brasileira. Em faixas como Sem Medo Nem Esperança, de Antonio Cicero (1945 – 2024) e Arthur Nogueira, nota-se uma postura intensa, enquanto Ecstasy, parceria de Thalma de Freitas e João Donato, traz uma ambientação mais arejada e contemporânea. O álbum inclui Você Me Deu, fruto de Caetano e Zeca Veloso, que incorpora elementos eletrônicos.
O show Estratosférica estreou no Teatro Castro Alves, Salvador, em 27 de setembro de 2015, um dia após o aniversário de 70 anos de Gal, e a recepção crítica destacou a capacidade de renovação artística da mesma na fase madura da carreira.
Gal eternamente
A escolha desses oito álbuns percorre a diversidade e a ousadia de Gal Costa, revelando como sua voz foi capaz de abraçar a tradição, desafiar limites e reinventar a própria MPB ao longo de cinco décadas. De Gal Costa (1969), marco tropicalista, até Estratosférica (2016), registro da vitalidade em sua maturidade artística, cada disco reflete um momento singular da história cultural do Brasil.
Gal permanece eterna, não apenas pela saudade que deixou no mundo da música, mas pela força de sua obra, que segue inspirando gerações e reafirmando seu lugar entre as maiores intérpretes do mundo.
Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba.
DRT: 7543/BA