Para além das boas intenções: sobre plantação de eucaliptos e uma decisão do TJ-BA
Artigo de Fredie Didier Jr. (foto), Carlos Frederico Andrade e Eduardo Jordão

De boas intenções está cheio o inferno – e também o Direito. Mas se sabemos pouco dos procedimentos infernais para enquadrar e julgar as atitudes realizadas em suposta boa intenção, os procedimentos jurídicos consagrados para que se realize este mesmo objetivo já são conhecidos.
Um bom exemplo é o julgamento recente do Tribunal de Justiça da Bahia a propósito da constitucionalidade de uma lei municipal de Teixeira de Freitas, distante cerca de 800 km da capital Salvador, que disciplinava o plantio e o replantio de eucalipto, para fins comerciais e industriais (ADI n.18132.08.2014.8.05.000). À primeira vista, a lei se destinava à preservação ambiental – circunstância que, na esteira das recentes polêmicas envolvendo o governo federal e as queimadas amazônicas, poderia ter impressionado os desembargadores do tribunal. Mas não.
Afora os (já definitivos e bem desenvolvidos) argumentos relativos à incompetência do Município para legislar tal como feito sobre o tema, dada a competência já exercida pelo Estado da Bahia e pela União, o Tribunal de Justiça observou corretamente, embora implicitamente, os ditames da proporcionalidade. Ao fazê-lo, se associou à orientação já assentada no Supremo Tribunal Federal (RE 586.224/SP) e em várias cortes constitucionais, sob a liderança do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha.
Mas o que implica este postulado da proporcionalidade, especificamente?
Implica que, para ser considerada constitucional, qualquer restrição a um princípio defendido pela Constituição (livre iniciativa, desenvolvimento nacional, pleno emprego) para a proteção de outro (no caso da decisão, a proteção ao meio ambiente) deverá passar por um teste trifásico de (i) adequação; (ii) necessidade; e (ii) proporcionalidade em sentido estrito.
O teste de adequação é uma avaliação a propósito da aptidão da medida legislativa para a promoção do fim pretendido. Neste particular, a decisão observou que as restrições impostas pela lei colhiam exclusivamente o plantio de eucalipto para fins comerciais e industriais. Argumentou, então, que este discrímen violava o princípio da igualdade, mas também poderia ter dito que ele era simplesmente inadequado: se a ideia é proteger o meio ambiente, não caberia restringir o plantio para um fim e não para outro.
Já o teste da necessidade veicula um exame da essencialidade da medida legislativa sob análise para a realização da finalidade desejada. O teste se justifica na medida em que a medida legislativa termina por restringir outra finalidade também consagrada pelo Direito. A pergunta que se faz aqui é: a restrição a essa outra finalidade é mesmo necessária para que se atinja a finalidade pretendida? É o que se convencionou chamar, no linguajar jurídico, de solução de um “conflito de princípios constitucionais”.
No caso, o conflito principal se dava entre a alegada proteção ao meio ambiente e a restrição operada sobre a livre iniciativa. A propósito, o TJ-BA fez referências à Lei Federal sobre Política Agrícola, ao Código Florestal e à Lei Estadual que estatui a Política de Meio Ambiente e de Proteção à Biodiversidade, que se distanciam das medidas adotadas pela lei municipal, para a realização do mesmo fim. O argumento implícito era justamente o de que a medida legislativa municipal era desnecessária.
Finalmente, o teste de proporcionalidade em sentido estrito promove um balanceamento quantitativo entre o tanto de promoção da finalidade constitucional privilegiada, vis-à-vis ao tanto de restrição à finalidade preterida. A ideia aqui é que, mesmo que uma medida específica seja apta e necessária a realizar a finalidade pretendida, ela ainda assim não será legítima, constitucional, se o tanto de restrição que gerar em outra finalidade constitucional superar o tanto de promoção efetiva da finalidade privilegiada.
A propósito, o TJ pareceu bastante sensível à restrição ao direito de propriedade (a lei limitava a produção da propriedade rural a 5% da área total municipal) e ao argumento de que as limitações ao plantio e ao replantio de eucalipto eram tantas e tão amplas que praticamente inviabilizavam o exercício comercial e industrial desta atividade.
A aplicação do dever de proporcionalidade deve ser louvada justamente por assegurar uma ponderação mais realista e uma aplicação mais adequada de uma ordem jurídica que visa a proteger interesses múltiplos e muitas vezes conflitantes.
Fredie Didier Jr., Carlos Frederico Andrade e Eduardo Jordão são advogados
Mais notícias
-
Justiça
07h00 de 15/09/2025
Filha de ministro do STF é hostilizada em univerdade: ‘Lixo comunista’
Caso aconteceu na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde a mulher leciona
-
Justiça
11h30 de 14/09/2025
CPMI vai recorrer de decisão do STF sobre depoimento do Careca do INSS
Corte decidiu facultar a presença do "Careca" e de Maurício Camisotti
-
Justiça
13h32 de 12/09/2025
STF marca data para homologação da ata do julgamento de Bolsonaro
Homologação está agendada para o dia 23 de setembro, durante a próxima sessão da Primeira Turma da Corte
-
Justiça
07h39 de 12/09/2025
Polícia Federal prende Careca do INSS e empresário
Eles são acusados de operar esquema de fraudes nos recursos de aposentados e pensionistas
-
Justiça
07h17 de 12/09/2025
Único a divergir no STF, Fux foi relator de outros processos contra Bolsonaro
Um dos mais emblemáticos foi o caso ação de Maria do Rosário contra o então deputado federal
-
Justiça
09h39 de 11/09/2025
STF pode decidir hoje se condena ou absolve Bolsonaro e outros 7 réus
Maioria simples pode ser formada pelo voto da ministra Cármen Lúcia
-
Justiça
07h22 de 11/09/2025
Quem falta votar no julgamento de Bolsonaro no STF?
Até o momento, placar está em 2x1 pela condenação do ex-presidente
-
Justiça
06h35 de 11/09/2025
Advogado de Bolsonaro diz que Fux acolheu tese da defesa
Ministro votou por absolvição total do ex-presidente
-
Justiça
09h45 de 10/09/2025
Fux abre voto elogiando Moraes, mas pede nulidade do julgamento de Bolsonaro
Magistrados entraram em rota de colisão na última terça-feira, 9
-
Justiça
07h56 de 10/09/2025
Fux é o terceiro a votar em julgamento de Bolsonaro no STF
Os ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Flávio Dino votaram nesta terça (9)