Publicado em 14/04/2016 às 16h43.

Como será o amanhã? Responda quem puder

Em um cenário de tantas incertezas, o possível impedimento da presidente Dilma abre espaço às dúvidas quanto ao futuro do país

Jaciara Santos
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Imagem ilustrativa

 

Vamos falar sério. Ante a iminência da aprovação do impedimento da presidente Dilma, que tal fazermos uma reflexão desapaixonada do cenário atual? Afinal de contas, será que sabemos mesmo o que é que está em jogo neste momento? Não vale o discurso pronto de que tomar a faixa presidencial das mãos de Dilma representaria a vitória do bem (os antigovernistas) contra o mal (o governo). Olhemos as fotos de quem está empunhando as bandeiras em cada um dos times. Apurando a vista, dá para distinguir, aqui e ali: muitos dos que estão do outro lado (seja ele qual for), estiveram há bem pouco tempo exatamente no outro extremo.

Também não se trata da falácia panfletária de que o capitalismo, mais uma vez, teria lançado meio de armas escusas para sufocar o proletariado. Não. Chega de academicismo e bulas ideológicas. Por que é mesmo que a presidente Dilma está sob ameaça de ser defenestrada do Planalto? A justificativa legal é a de que teria cometido crime de responsabilidade fiscal. Fato. Os dados do Tribunal de Contas da União são transparentes, embora se atenham apenas ao período de 2015, quando – vamos combinar – os pecados nem foram assim tão relevantes, se comparados ao ano anterior, aquele da lambança pré-eleitoral.

Dilma mentiu, maquiou dados, escondeu evidências do buraco em que o país estava mergulhado, fez da coisa pública o que só se deve fazer na privada? Fato. Mas boa parte dos ratos que hoje pulam do navio a pique sabia o que estava acontecendo, mas preferiu fazer cara de paisagem e se lambuzar do melado que corria solto.

Justifica-se o impedimento como uma forma de passar o Brasil a limpo. Mas como seria possível essa limpeza se a maioria dos que hoje clamam por ética e moralidade está com lama até o pescoço?

Uma rápida olhada no plenário da Câmara é suficiente para provocar ânsia de vômito em qualquer cidadão minimamente informado. A comissão que aprovou a continuidade do processo de impeachment é um exemplo. Parte expressiva dos que são pró e dos que são contra não resiste a uma consulta de antecedentes criminais, dessas que se faz via internet. O que não chega a configurar novidade, em um país aboletado na 76ª posição no ranking internacional da corrupção, conforme estudo da Transparência Internacional. No levantamento, são avaliados 168 países e territórios, sob o ponto de vista da percepção da população quanto aos malfeitos dos seus governantes. Para se ter uma ideia de como saímos mal na foto, estamos lado a lado com nações do quilate de Bósnia e Herzegovina, Burkina Faso, Índia, Tailândia, Tunísia e Zâmbia.

 

O que vai sair deste processo de suposta

depuração da política nacional?

 

Mas, é esse mesmo brasileiro que carrega o DNA da desonestidade, do querer levar vantagem em tudo e da corrupção endêmica que, de repente, se vê arrebatado por um sentimento de probidade, nunca dantes visto na história deste país. E Dilma, somente Dilma, é a vilã da história. Todos os outros são angelicais mocinhos.

Dilma não é santa. Jamais seria canonizada, até porque, pelo que se sabe, é ateia convicta. Mas, até o momento, não se viu ainda uma nota na mídia sobre denúncias de que ela teria metido a mão em dinheiro público para engordar a própria conta bancária. Ok, Dilma não roubou, certo? Mas é indiscutível que deixou roubar e se associou a ratazanas de grande apetite. Pelo menos é o que tem ficado patente nas investigações desenvolvidas, desde lá atrás, na Ação Penal 470 (o popular processo do mensalão), quando ela ainda não era presidente, até os dias de Operação Lava Jato e seus tantos desdobramentos.

Voltemos ao presente. E reflitamos: os pecados mais mortais de Dilma não estão associados ao processo que ameaça lhe tomar o mandato. Se cair, estará sendo penalizada exclusivamente por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal no ano passado, quando o sinal vermelho já estava aceso e ela começava a entrar na linha. Nem uma única linha sobre propinoduto, enriquecimento ilícito, sítios de origem nebulosa nem triplex na praia. Tais crimes são imputados a outros suspeitos que, por enquanto, ainda permanecem sob investigação.

Admitamos que Dilma seja deposta do cargo e em seu lugar assuma o (nada santo) Michel Temer. Não há garantias de que ele permaneça muito tempo no cargo, vez que há em curso uma ação para cassar a chapa, em virtude de suposto uso indevido de recursos durante a campanha. Constitucionalmente, a cassação da chapa abriria o caminho para a convocação de eleições gerais. Até lá, assumiria a República o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, cuja folha corrida dispensa comentários.

E aí a roda volta ao começo. Sem paixões, sem partidarismo, difícil imaginar o que vai sair do atual processo de suposta depuração porque passa a política nacional. Como diz a canção “Cartomante”, imortalizada na voz da baiana Simone, o que devemos esperar do dia seguinte à votação do impeachment? Como será amanhã? Responda quem puder!

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