Publicado em 21/12/2015 às 06h00.

‘Ele vai ser o próprio coveiro dele’, diz Araújo sobre Cunha

Presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, José Carlos Araújo (PSD-BA), detalha processo contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ)

Levi Vasconcelos
Foto: João Brandão/ bahia.ba
Foto: João Brandão/ bahia.ba

 

O presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, o baiano José Carlos Araújo (PSD), detalhou em entrevista ao bahia.ba o andamento do processo de quebra de decoro contra o comandante da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). De acordo com o parlamentar, o peemedebista é acusado de várias ilegalidades, desde a manutenção de contas na Suíça até o recebimento de propina do escândalo da Petrobras. Com a notificação já entregue ao acusado, a defesa terá que ser apresentada até a quinta-feira de Carnaval e a votação do parecer, de forma aberta, deve acontecer em plenário no início de abril . “Com mais 20, 30 dias, o relator vai entregar o parecer que vai para o plenário. Aí, ele vai ser o próprio coveiro dele, porque vai ter que pautar no plenário a decisão do Conselho de Ética”, estimou Araújo. Ele ressalta a sabedoria de Cunha, ao afirmar que “se essa inteligência fosse para o bem, ele ia ser presidente da República” e revela ter sofrido retaliação desde a tentativa de abertura da investigação. “Tenho comido o pão que o diabo amassou: é a sala pequena, o ar-condicionado que muitas vezes não funciona, o som está ruim, você quer mudar e não consegue… é dureza. Remar contra a maré não é fácil, não”, admitiu. O parecer do Conselho de Ética, pela cassação ou absolvição do congressista fluminense, terá que ser aprovado ou rejeitado pela maioria simples dos 513 deputados: 257 votos. José Carlos Araújo faz uma aposta: “Depende do Janot”. Confira a entrevista na íntegra.

.ba – Como está a interferência do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e dos seus aliados, no andamento do processo contra ele no Conselho de Ética? O senhor dizia que não haveria interferência, mas já teve troca de relator, confusão… Parece que ele tem conseguido manipular algumas peças no colegiado.

JCA – Na verdade, o Eduardo Cunha de frente não aparece. Mas é lógico que aqueles deputados que são do PMDB, o seu partido, e os coligados, têm feito tudo que podem para atrapalhar. Inclusive, com a decisão esdrúxula, monocrática, do (Waldir) Maranhão (PP-MA), que é o vice-presidente. Na Câmara, fizeram um blocão, no começo da legislatura, com 280 deputados. Para quê isso? Para ter condição de ter mais comissões e cargos dentro do sistema. Após eles ganharem nove comissões e dividirem, dissolveram o blocão. Hoje, o bloco do PMDB é PMDB e PEN. Então, é o seguinte, nós, quando escolhemos o relator, usamos o bloco PMDB e PEN e eles deixaram. Ninguém reclamou de coisa nenhuma. Agora que o relator ficou contra eles, deram uma decisão monocrática, tirando o relator (Fausto Pinato, PRB-SP). Então, usaram dois pesos e duas medidas. O Pinato não pode ser relator porque é do mesmo agrupamento do Eduardo Cunha e Maranhão, que também é do mesmo bloco, pelo mesmo partido, pode dar a decisão? Então, esse é o cerne do problema. O grupo do Eduardo Cunha tem feito tudo o que pode para não deixar o processo andar. Ele não queria passar a ser investigado e agora, depois de citado, ele é investigado. Ele ainda pretende fazer a mesma coisa que fez em uma outra decisão do Pinato: anular a votação (do parecer pela continuidade da investigação). Não conseguiu. Não teve coragem de dar ao Maranhão ou o Maranhão não quis assinar, ou teve algum problema, que ele não quis assinar o recurso. Tem um recurso na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), do deputado (Carlos) Marun (PMDB-MS), para anular a decisão e eles nomearam quem como relator? Elmar Nascimento, do DEM da Bahia. Um baiano para me constranger. Coincidência ou não, Elmar Nascimento, há dois ou três meses atrás, ganhou a presidência da comissão especial do jogo. E agora, Elmar Nascimento vai ser o relator e, com certeza, vai dar o parecer a favor do Cunha. É óbvio que vai acontecer isso. Nós vamos recorrer ao plenário e aí vem outra interferência. Ele não fez nenhuma sessão no plenário nos últimos dias para evitar que nós, do Conselho de Ética, entremos com um recurso, em plenário, que é a instância superior à Mesa Diretora, para anular a decisão. Ele sabe que no plenário ele perde. Com essa, da CCJ, nós vamos recorrer no plenário e vamos ganhar.

.ba – E no plenário é maioria simples?

JCA – Maioria simples: 257.

“Ele não quer nem que o processo ande.”

.ba – O senhor falou da questão de Elmar Nascimento, mas outros baianos têm trabalhado lá em favor de Cunha, pelo menos aparentemente. Da Bahia, o conselho tem Cacá Leão (PP), Erivelton Santana (PSD), Sérgio Brito (PSD), Ronaldo Carletto (PP) e Paulo Azi (DEM). Todos querem livrar Cunha?

JCA – Paulo Azi não. Paulo Azi votou conosco, a favor da admissibilidade do processo… Veja bem, não se falou em cassar Eduardo Cunha. Não está se falando em cassar. Está se falando em admissibilidade, ou seja, permitir que se faça a investigação, que o processo ande. Ele não quer nem que o processo ande. Bom, quem não deve, não teme. Eu sempre digo o seguinte: o que nós queremos? Admissibilidade. O que é? Permitir que Eduardo Cunha prove que não tem contas na Suíça. Permitir que Eduardo Cunha prove que não recebeu dinheiro do banco. Permitir que Eduardo Cunha prove que não estava metido com o que aconteceu com a Petrobras. Permitir que Eduardo Cunha prove que não dividiu dinheiro com 100 deputados na época da eleição. É isso que nós queremos. Se ele provar tudo isso, ele sai daí inocente, tranquilo e calmo. Agora, as denúncias que o (procurador-geral da República, Rodrigo) Janot fez dele dizem justamente o contrário.

Foto: João Brandão/ bahia.ba
Foto: João Brandão/ bahia.ba | “Eu já fiquei sentado lá das 14h30 às 21h ouvindo blá-blá-blá de deputado. Não tinham o que falar, todos falavam a mesma coisa.”

 

.ba – Entre as articulações dos aliados de Cunha, um deputado disse que você teria dado uma entrevista em que teria constrangido Paulo Azi a votar pela admissibilidade…

JCA – A entrevista é verdade. Eu estava no aeroporto com o deputado Paulo Azi ao lado, ele falando para uma rádio de Alagoinhas, que é do tio dele, e ele disse que não ia falar sobre o Conselho de Ética: “Está aqui o presidente, fala ele”. E me perguntaram “Como vai votar o Paulo Azi?”. Eu disse, “como ele vai votar eu não sei, mas ele já disse que é a favor da admissibilidade e eu também sou a favor”. Onde é que está aí a ilegalidade? Eu não disse que eu ia votar a favor ou contra a cassação. Até porque eu não voto. Eu só voto no caso de empate. Estou suspeito por isso? O Brasil inteiro, a Bahia inteira queriam que acontecesse a admissibilidade. Quem não queria? Era eu que ia ser contra?

.ba – E quais são os próximos passos?

JCA – O relator vai procurar agora as provas das evidências. Nós vamos à Procuradoria, que já colocou à disposição todo o processo que veio da Suíça. É público. Diz que ele tem quatro contas na Suíça. Provas dos depoimentos das delações premiadas que os delatores dizem que Eduardo Cunha recebia dinheiro. O Janot já pediu o afastamento dele, fizemos queixa exatamente disso, mas o Conselho de Ética não consegue andar. Só para aprovar a admissibilidade nós tivemos oito sessões da Câmara. Coisa que em duas estaria resolvido o problema. Todo mundo se inscreve, todo mundo fala. Na última, 30 deputados se inscreveram para discutir. Eu só dei cinco minutos, mas cinco minutos para 30 deputados é muito. Cento e cinquenta minutos, mais as interrupções dá quatro, cinco horas. Eu já fiquei sentado lá das 14h30 às 21h ouvindo blá-blá-blá de deputado. Não tinham o que falar, todos falavam a mesma coisa. Querem ganhar tempo.

.ba – Processo de obstrução…

JCA – E eu dizia a eles o seguinte: eu tenho toda a paciência do mundo. Falem o que vocês quiserem, estou aqui para ouvir vocês. O que irrita neles é exatamente a minha paciência de deixar eles falarem tudo aquilo que eles querem. Não interfiro nesse negócio. Falam, falam, falam e eu deixo.

"Ele não queria que a imprensa testemunhasse a notificação dele."
Foto: João Brandão/ bahia.ba | “Ele não queria que a imprensa testemunhasse a notificação dele.”

 

.ba – Ele enfim foi notificado, na última quinta-feira (17)…

JCA – Ele só foi notificado por pressão da imprensa. A secretaria do conselho foi lá e ele não estava, não podia atender. Teria que voltar no outro dia pela manhã. Só são três tentativas. A imprensa aí bateu, bateu, bateu. Ele mandou telefonar, de noite, e disse que ia atender uma hora mais cedo… Ele não queria que a imprensa testemunhasse a notificação dele.

.ba – Agora são dez dias úteis para o Eduardo Cunha apresentar defesa, mas tem o recesso no meio. O senhor podia descrever o rito a partir de agora?

JCA – Ele não queria que o prazo dele corresse, mas como conseguimos notificá-lo, o prazo começou a correr na sexta (18). Segunda e terça, três dias. Aí vem o recesso. Recomeça a contagem no dia primeiro de fevereiro. Primeiro, dois, três e quatro. Sete dias. Aí vem a semana do Carnaval, mas segunda-feira conta. Só terça é feriado. Quarta-feira conta: mais dois. Na quinta-feira de carnaval conta: 10. Completou e ele tem que entregar a defesa dele. Esse é o grande problema. Ele não vai conseguir fazer nenhuma sessão na Câmara para anular a decisão de abrir o processo. Está caracterizada a abertura do processo.

.ba – E aí depois da defesa dele são mais 90 dias úteis?

JCA – Noventa dias é o prazo inteiro, que começou em 3 de novembro. Eu levei 40 dias para fazer o processo de admissibilidade. O normal seriam duas sessões.

.ba – A imprensa do sul diz que ele está tramando postergar a coisa lá para abril…

JCA – Vai entrar em abril. É o prazo normal. A questão é que ele queria vencer o prazo sem abrir o processo e não conseguiu. Porque, quanto mais demorar, menor é o prazo para a investigação. Mas como Janot nos colocou à disposição todo o processo da Suíça e outras coisas que estão aí, de delação, vai simplificar o nosso trabalho.

Foto: João Brandão/ bahia.ba
Foto: João Brandão/ bahia.ba | “Se essa inteligência fosse para o bem, ele ia ser presidente da República.”

 

.ba – Qual é a principal acusação que pesa contra ele?

JCA – Tem gente dizendo que ele é alvo do Conselho de Ética por ter mentido na (CPI da) Petrobras, mas não é isso. Isso é uma das coisas. O que vale é a representação que o PSOL e a Rede fizeram. É uma representação extensa, em que falam em dinheiro na Suíça, falam em propina, falam em Petrobras, em dinheiro distribuído na campanha, falam em tudo isso. Não é só a mentira, não. Ele diz categoricamente que não tem conta na Suíça; o Janot diz que ele tem quatro.

.ba – Ele diz que é trust…

JCA – Vou te explicar essa história de trust. É muito fácil: é como se você tivesse um cara, especialista em aplicações, você pega o seu dinheiro, passa para o cara, à vista, faz um contrato de gaveta, e o dinheiro deixa de ser seu? Ele é seu, rapaz. O rendimento é seu, tudo é seu. Pode até não estar mais em seu nome, mas você tem contrato com o cara. Ele tem, sei lá, cem milhões seus e o rendimento desse dinheiro é seu e o cara tem apenas “x” por cento. O delator diz que ele era ligado a um cidadão, que eu me esqueci o nome (Altair Alves Pinto). Esse cara era o operador da Petrobras. Ele diz que não conhece o cara. Quando vai agora a Polícia Federal na casa dele encontra um taxi, de luxo, que custa algo em torno de R$ 200 mil (um Volkswagen Touareg, 2014, fabricado na Eslováquia), no nome do cara. O carro estava na garagem dele e ele não conhece o cara. Dizem que esse táxi era o correio. Um táxi não chama a atenção, é táxi… mas que ia levar e trazer as encomendas. É o que dizem…

.ba – Dessas contas na Suíça, uma era em nome da mulher dele, a jornalista Cláudia Cruz, ex-apresentadora do Jornal Hoje e Fantástico, na TV Globo. Ela anda ostentando por aí: vai de Porsche para a academia e posta fotos de viagens oficiais ao lado dele. Isso também está no bojo do processo? Há investigação sobre a esposa de Cunha?

JCA – Não, mas é decorrente. Na hora da apuração vai se chegar a essas coisas. O que é lastimável é o cidadão não ter escrúpulos de botar a família, a mulher e a filha, em um negócio desses. É um louco. É inteligente: o cara tem um raciocínio rápido… se essa inteligência fosse para o bem, ele ia ser presidente da República. Ele é muito ágil. O cara é uma águia, mas se atrapalha com umas besteiras. Tanto se atrapalha, que pagou uma conta na Suíça com o passaporte dele. Abre conta em nome da mulher e da filha… É um absurdo. Quer dizer, tem lampejos de burrice.

.ba – Ele mesmo joga casca de banana… o senhor está convencido de que ele é culpado, né?

JCA – Eu não estou convencido de nada. Estou falando do que dizem. Eu estou dirigindo os trabalhos no Conselho de Ética e não tenho nenhuma opinião formada.

Foto: João Brandão/ bahia.ba
Foto: João Brandão/ bahia.ba | “Tenho comido o pão que o diabo amassou.”

 

.ba – O senhor tem sofrido alguma retaliação por tentar investigar o presidente da Câmara?

JCA – Investigar Eduardo Cunha no Conselho de Ética é dureza. Tenho comido o pão que o diabo amassou: é a sala pequena, o ar-condicionado que muitas vezes não funciona, o som está ruim, você quer mudar e não consegue… é dureza. Remar contra a maré não é fácil, não. Ele bota a tropa de choque dele à frente e os caras estão motivados! Turbinados! Os outros, não. Todo mundo quieto, calado. Eu não sei qual é a motivação deles…

.ba – Com a experiência que o senhor tem de Câmara dos Deputados, o que sai antes: a votação do impeachment de Dilma ou o julgamento de Eduardo Cunha?

JCA – Eu acho que o julgamento de Eduardo Cunha. O impeachment de Dilma, no meu entender, quinta-feira, com a reviravolta do STF (Supremo Tribunal Federal), foi às favas.

.ba – O senhor não teme que as eleições do ano que vem interfiram nos trabalhos?

JCA – Eu penso o contrário. Essa confusão de Cunha vai interferir nas eleições do ano que vem.

.ba – Mas em abril já tem muito deputado deixando Brasília para caçar votos em suas bases eleitorais…

JCA – Mas aí o prazo regimental já acabou…O prazo dele de defesa acaba na quinta-feira de Carnaval. Com mais 20, 30 dias, o relator vai entregar o parecer que vai para o plenário. Aí, ele vai ser o próprio coveiro dele, porque vai ter que pautar no plenário a decisão do Conselho de Ética. O Conselho de Ética não cassa ninguém. O Conselho de Ética dá o parecer sugerindo. Quem decide é o plenário. No voto aberto no plenário, no ano da eleição municipal, você acha que vão votar a favor dele, ou contra ele?

.ba – Quantos votos são necessários?

JCA – É maioria simples também.

.ba – Dos 513 deputados da Câmara, o senhor acha que Cunha tem quantos votos a favor dele?

JCA – Depende do Janot… (risos!)

Levi Vasconcelos

Levi Vasconcelos é jornalista político, diretor de jornalismo do Bahia.ba e colunista de A Tarde.

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