Publicado em 28/08/2020 às 16h33.

Recadastramento no SUS pode levar à perda de recursos na Atenção Básica

Procedimento é necessário para garantir recursos do governo federal para o SUS, após mudança na forma de financiamento da saúde

Estela Marques
Foto: Divulgação/ Secom
Foto: Divulgação/ Secom

 

O recadastramento de usuários no Sistema Único de Saúde (SUS) em Salvador causou polêmica. O curto prazo disponibilizado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) – que encerraria na segunda-feira (31), mas foi ampliado para 30 de setembro – gerou questionamentos. Afinal, pouco se sabia sobre a necessidade de todos os cidadãos incluírem ou atualizarem seus dados na rede pública.

Mas a questão é um pouco mais profunda, de acordo com o advogado sanitarista Thiago Campos. Isso porque o recadastramento de usuários é um novo critério adotado pelo Ministério da Saúde para financiar a Atenção Básica, como parte do programa Previne Brasil. Em resumo, a lógica é: quanto mais pessoas cadastradas, mais recursos transferidos do governo federal para o município.

Antes, o critério de financiamento considerava o coeficiente populacional que cada equipe de Saúde da Família cobria no território, além de indicadores de saúde.

“Salvador tem cobertura de Atenção Básica ruim. Antes, só 16% da população tinha equipe de saúde adstrita aos cuidados em seus territórios. Hoje chega a pouco mais de 50% da população coberta. Com a redução [de financiamento], não vai chegar nunca à ampliação, à garantia de cobertura universal, que todas as pessoas sejam acompanhadas, recebam visitas domiciliares dos agentes comunitários de saúde. Isso se reflete nos índices sanitários, incidências de doenças”, explicou o advogado, em entrevista ao bahia.ba.

Campos chama a atenção para as perdas às quais essa nova forma de financiamento pode incorrer. Desde a Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos em Saúde e Educação, tem havido redução de recursos da União destinados para esses dois setores. A obrigatoriedade do recadastramento de usuários surge como uma forma de reduzir o financiamento sem o governo federal levar a responsabilidade disso. E como é praticamente impossível cadastrar 100% da população…

“Fica parecendo que diminuiu o recurso porque tem menos pessoas atendidas. Culpa dos gestores que não conseguiram viabilizar o cadastramento, e vai ter o discurso ‘Tá vendo que não são todas as pessoas que usam o Sistema Único de Saúde?'”, acrescenta Campos.

SMS não se organizou

A portaria que regulamentava a mudança de financiamento foi publicada no final de 2019 e ampliou a possibilidade de recadastramento para todos os profissionais de saúde, não apenas os agentes comunitários. De acordo com Edna Maria Santos, diretora de Políticas Sociais do Sindicato dos Servidores da Prefeitura do Salvador (Sindseps), desde então a SMS tenta pleitear junto ao Ministério da Saúde extensão no prazo de entrega, previsto para 31 de agosto. Mas com a pandemia do novo coronavírus em março e nenhuma resposta da pasta federal, a sindicalista entende que a gestão municipal não se organizou o suficiente.

“O município não se organizou para qual outra forma poderia suprir essa forma de cadastro, tendo em vista a baixa de agentes comunitários e profissionais da equipe que estavam voltados para a contenção da Covid-19. Com isso, não deu para fazer a realização dos cadastros necessários”, avaliou.

Nesta sexta-feira (28), em entrevista ao Bahia Meio-Dia, da TV Bahia, o secretário de Saúde, Leo Prates, afirmou que desde janeiro o município tem feito o recadastramento, inclusive com carros de som, sistema de mensagens para usuários, panfletagem e unidades de saúde. A equipe de reportagem do bahia.ba fez buscas no site da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador com as palavras-chave “recadastramento”, “cadastro”, “cadastro SUS”, mas não encontrou nenhuma notícia que informasse a necessidade do procedimento, que  não tenham sido publicados na quinta (27) e nesta sexta-feira (28).

Ainda em entrevista ao jornal, que repercutiu nas redes sociais, o secretário disse que os agentes comunitários de saúde cadastraram 70 mil pessoas desde janeiro, e o site disponibilizado para recadastramento já recebeu 200 mil inscrições. Até a manhã desta sexta, usuários relataram impossibilidade de acessar a página da internet, porque estava fora do ar. Leo Prates disse ainda que essa é a terceira prorrogação para o prazo de recadastramento de usuários do SUS.

O Ministério da Saúde foi procurado para esclarecer questões como calendário para cadastramento, implicações da medida e orientação da pasta para os municípios em relação ao assunto. Até a publicação desta reportagem, não foi enviada qualquer resposta.

Mais notícias

Este site armazena cookies para coletar informações e melhorar sua experiência de navegação. Gerencie seus cookies ou consulte nossa política.