Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
A ditadura das togas
O que diferencia a ditadura do Judiciário das outras formas de ditadura é que, em lugar da já tradicional pele de cordeiro, os julgadores se escondem por trás das togas
Nunca antes, na história deste país, a judicialização e o ativismo foram características tão marcantes na paisagem jurídica nacional. Notadamente agora, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que acolheu a tese defendida pelo governo da presidente Dilma Roussef e pelo presidente do Senado sobre a tramitação do processo de impeachment no Congresso Nacional.
Polêmicas sobre a existência ou não de elementos jurídicos para se dar início a um processo de impeachment da presidente à parte, não é necessário ser um jurista para se compreender que oSupremo Tribunal Federal (STF) é o intérprete final da Constituição e que o seu papel é velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais, funcionando como um fórum de princípios, mas não de política. Assim, não podem e não devem os membros da nossa Suprema Corte adequar a sua interpretação aos interesses governamentais quando o correto deve ser exatamente o contrário.
Nessa lógica, quando o legislador constitucional, referindo-se à tramitação do processo de impeachment, usou a expressão “admitida a acusação pela Câmara dos Deputados”, não caberia, portanto, ao STF, usurpando os poderes de legislador constituinte originário, conferir competência ao Senado para assumir o protagonismo do juízo de admissibilidade, inclusive, podendo desfazer o que já havia sido realizado por aqueloutra Casa Legislativa. Afinal, consoante o lúcido ensinamento do jurista Carlos Ayres Britto, há apenas dois poderes que tudo podem: Deus no céu e o Poder Constituinte na terra.
O que me preocupa são as consequências para a sociedade quando, em lugar de se limitar às interpretações jurídicas do texto constitucional, a Suprema Corte começa a se afeiçoar às interpretações políticas, inclusive impondo a sua vontade e os seus interesses, nem sempre muito transparentes, numa clara referência de que já passou da hora de relembrarmos a advertência de Platão de que “o juiz não é nomeado para fazer favores com a Justiça, mas para julgar segundo as leis”.
Nesse sentido, fico refletindo até onde poderemos chegar, com os ministros da Suprema Corte erigidos à condição de salvadores da pátria como, no passado, os militares o foram. Engana-se quem pensa que a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade dos poderes Executivo e Legislativo neste nosso país possa ser resolvida sem riscos para a democracia, pelo ativismo judicial e/ou com a partidarização do Judiciário. Afinal, não é sem sentido que Bertolt Brecht nos alertava que “Muitos juízes são absolutamente incorruptíveis; ninguém consegue induzi-los a fazer justiça”.
Em tempos de ativismo judicial, conflitos institucionais, judicialização da política e de confrontos entre as interpretações jurídicas e políticas, a expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira. Ditadura é ditadura, não importa se de direita, de esquerda ou de centro, se civil ou militar. Assim uma ditadura do Judiciário, por não usar armas, não será menos perigosa e cruel do que as outras, pois o que as diferencia é que os ditadores do Judiciário, em lugar da já tradicional pele de cordeiro, escondem-se por trás das togas.
Nesse sentido, mesmo a contragosto, só nos resta cumprir o que a Suprema Corte definiu, contrariando o pensamento do jurista Carlos Ayres Britto sobre a existência de apenas dois poderes que tudo podem, pois, já que agora ao STF tudo é possível, será a partir dele que, doravante, não raro, também se manifestará, no plano jurídico brasileiro, o “Milagre da Criação”, com os seus ministrosencarnando o papel de legisladores constituintes originários, com o poder de dizer o Direito sobre céus e terras, para garantir a permanência da presidente Dilma Roussef no poder.
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