Quando a rua é a morada
População em situação de rua anseia por oportunidade de moradia digna. Prefeitura promete mais abrigos e recursos no orçamento de 2016
Difusa em vários pontos da cidade, a população de rua de Salvador não passa despercebida nem mesmo aos olhos do mais distraídos dos visitantes. Dimensionada em aproximadamente 3.500 pessoas (censo do IBGE, em 2010), é certamente maior em 2015, mas não há dados precisos sobre esse quantitativo. Da cidade essa população colhe a incompreensão e medo, das gestões públicas, ações pontuais e sem continuidade. É nesse cenário em que muita gente está envolvida e pouco de concreto se faz que Maria Lúcia Pereira atua como liderança no Movimento Nacional da População em Situação de Rua e tem como principal queixa a falta de integração e continuidade das ações. “Cada gestão realiza uma ação, mas todas são pequenas e pontuais, enquanto o que for ofertado seja apenas uma vaga em albergue ou a possibilidade de um banho em um contêiner, as coisas não vão mudar”, avalia.
A baixa disponibilidade de leitos nos abrigos da cidade é uma das questões emergenciais para quem atua na garantia de direitos desse grupo social, mas compõe uma cadeia que engloba falta de documentação, acesso negado a serviços básicos, violência institucional diária, não apenas de policia e guarda municipal, mas também de agentes de saúde e de alguns funcionários da proteção social. Coordenadora de uma equipe multidisciplinar de atendimento a população de rua, a defensora pública Fabiana Almeida Miranda aponta que essas pessoas vivem em situação de vulnerabilidade constante e por isso mesmo precisam de um olhar atencioso do poder público.
“Não basta distribuir auxílio moradia para um sujeito que ainda não tem trabalho garantido, perspectivas de vida e acompanhamento social, pois a chance de voltar às ruas é enorme”, alerta Fabiana, que, em junho de 2014, foi autora da ação civil pública contra a prefeitura por remover moradores de rua com jatos d’água das ruas do Centro às vésperas da Copa do Mundo.
Sujeito de direitos – Uma das principais causas para que as políticas públicas voltadas para pessoas em situação de rua não sejam cumpridas é a falta de mobilização social desse grupo, pois é muito difícil se mobilizar quando se está está em uma situação de vulnerabilidade tão intensa. Hoje líder nacional do Movimento de Pessoas em Situação de Rua, Maria Lúcia viveu durante 16 anos a realidade de não ter uma casa. “Saí das ruas porque fui desafiada. Desde então, tive oportunidades de me capacitar e ajudar quem vive em situação semelhante. Mas a minha realidade só mudou quando me reconheci como uma pessoa que tem direitos”, compartilha.
E a descoberta e luta por seus direitos é a atual realidade de outros três participantes do Movimento, Fábio Firmino, de 36 anos, que recebe aluguel social e acabou de conseguir um emprego formal, Silvano Silva, com 33 anos e que vive nas ruas desde os nove anos, e Luís Gonzaga de Jesus que, aos 54 anos, é morador de um conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida, mas viveu por 35 nas ruas. Vivendo realidades distintas, todos os entrevistados têm em comum o fato de terem saído de casa por conta de conflitos familiares.
A prefeitura de Salvador, através da Secretaria de Promoção Social, Esporte e Combate à Pobreza (Semps) é a responsável pelas ações para os moradores de rua. De acordo com o secretário da pasta, Bruno Reis, há um investimento crescente da prefeitura e em 2016 serão destinados R$ 22 milhões no Projeto do Outro Lado da Rua, que engloba ações de acolhimento e preparo para reinserção no mercado de Trabalho. “Hoje são 300 vagas disponibilizadas, mas até o final do ano serão 700 vagas, além das 244 pessoas que recebem aluguel social no valor de R$ 300,00”. O secretário nega a reclamação por parte dos usuários sobre o atraso no repasse do aluguel e revela que, ainda neste ano, todos os que recebem o auxílio vão ganhar um cartão, o que vai evitar que as pessoas tenham que se deslocar para receber o dinheiro.
Ponto de refúgio – Em meio a tantos desconfortos, insegurança e faltas de perspectivas reais de melhorias, um projeto aparece como refúgio à população de rua. Trata-se do Ponto de Cidadania, que foi criado há um ano e quatro meses e é executado pela Secretaria de Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Estado (SJDHDS), por meio da Superintendência de Prevenção e Acolhimento ao Usuário de Drogas e Apoio Familiar. Com o apoio do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (Cetad) e a Defensoria Pública do Estado, o projeto realiza aproximadamente oito mil atendimentos mensais em seus dois contêineres, um instalado na Praça Marechal Deodoro (Praça das Mãos), no Comércio, e o outro na localidade conhecida como Pela Porco, na região da Sete Portas.
Nas unidades de atendimento são disponibilizadas para a população de rua acesso a produtos de higiene pessoal como escova de dente, creme dental, barbeador e sabonete e a possibilidade de tomar banho. Também são ofertados preservativos e é oportunizado o atendimento a uma equipe multidisciplinar composta por profissionais como psicólogos, assistentes sociais, técnicos de enfermagem e redutor de danos em cada ponto.
Os profissionais são responsáveis por prestar atendimento e repassar orientações que minimizam as dificuldades enfrentadas pelos moradores em situação de rua. Parte deles, inclusive, é usuária de substâncias psicoativas como o crack. De acordo com Emanuelle Santos Silva, diretora de Gestão e Monitoramento da SJDHDS, as ações do estado para a população de rua serão ampliadas em 2016 também para os municípios de Feira de Santana, Lauro de Freitas e Vitória da Conquista.
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