Publicado em 22/03/2018 às 17h56.

Xandão explica fim do O Rappa e elogia BaianaSystem: ‘Acho genial’

O guitarrista reflete sobre a trajetória da banda, o sucesso alcançado e sobre o desentendimento com o ex- integrante Marcelo Yuka

Luiz Felipe Fernandez
Foto: Diego Matheus
Foto: Diego Matheus

 

Ele está na banda desde o início, ininterruptamente. Ou como o próprio mesmo pontua, desde que O Rappa era ainda uma “intenção”. Alexandre Meneses, o Xandão, é um dos mais respeitados guitarristas do Brasil, e sobe aos palcos da Arena Fonte Nova junto ao vocalista Marcelo Falcão, Lauro Farias (Baixo) e Marcelo Lobato (Teclado) para sua última apresentação em Salvador. O show faz parte da turnê de despedida da banda, que anunciou uma pausa sem previsão de retorno – para a tristeza dos milhares de fãs. São 25 anos na estrada, desde o começo em 1993, com muitas histórias – umas felizes, outras nem tanto. E Xandão não deixa de falar sobre nenhuma.

Em entrevista ao bahia.ba, ele comentou sobre diferenças entre os integrantes da banda, que contribuíram para o seu fim, e da situação com Marcelo Yuka – padrinho da sua filha – que deixo O Rappa alegando ter sido expulso, após ser baleado em uma tentativa de assalto que o levou a ficar paraplégico, em 2000. Apesar de se referir ao antigo colega como um dos maiores letristas e pensadores da sua geração, resume a relação entre eles atualmente: “Nenhuma”.

Xandão também fala sobre a originalidade e autenticidade, sempre atrelada ao som do O Rappa, e que “confundiu” por anos quem buscava enquadrá-los em um estilo. Um pesadelo para a “mídia” e um trunfo para a banda, que transitava entre os festivais de diferentes gêneros, ajudando a multiplicar os fãs no Brasil. Para o guitarrista, da sua parte, foi o resultado de muito estudo em conservatório de música, e em momentos de confinamento em hotéis. Ele garante que o que move seu trabalho é a busca por novidade e a possibilidade de improvisar, inovar. À sua maneira, ele ajudou O Rappa a eternizar versões de outros artistas, como “Vapor Barato”, conhecida na voz de Gal Costa e escrita por Jards Macalé e pelo baiano Wally Salmoão. Ou por “Deus lhe Pague”, composta por Chico Buarque.

O músico também fez elogios à BaianaSystem, outra banda a se apresentar nesta sexta-feira (23), a qual comparou com a própria trajetória do Rappa, quebrando paradigmas dentro da música. “Acho genial”. Confira o bate-papo!

O Rappa já parou em outros momentos, também com o argumento que precisavam dar uma pausa no trabalho, precisavam de férias. Desta vez, pelo menos a princípio, parece ser definitivo. Esse é a vontade de vocês?

Sim, eu acho que depois de 25 anos, as diferenças ficaram bem latentes. Tem pessoas que tem mais proximidade, como eu, Lauro (baixista) e Lobato (tecladista), até nas formas de pensar também, que com um tempo, se tornam antagônicas. Na outra parada, a gente não tinha uma gestão de carreira, não tivemos férias, emendamos álbum, turnê […] Nunca fomos uma banda formada por amigos de infância, adolescência, não. Nós três já éramos músicos profissionais, o Falcão que entrou basicamente pela primeira vez nesse circuito profissional, mas a gente já fazia parte dessa história a muito tempo. […] No final de tanto tempo junto, não existe uma briga, um fato que seja relevante, mas um conjunto de situações que chega em um momento que a gente quer ir para um lado, e o outro caminhar para o outro. Melhor cada um ir para o seu lado e pronto. Eu, Lauro e Lobato a gente se entende mais, continua tendo um convívio que a gente gosta. Se a gente gosta de estar junto, de tocar junto, é provável que em um momento a gente voltar a fazer alguma coisa junto, mas conversamos muito e é uma situação de dar uma parada, respirada. Depois desses anos, a gente merece.

Todos devem ter vontade de aproveitar o tempo e se dedicar a outros trabalhos solo. Você já tem algo encaminhado, já sai da banda para outro projeto, ou pretende aproveitar bastante o descanso?

Basicamente, tenho um disco que estou há 25 anos fazendo, e nunca tive tempo de finalizar. Entre um disco e outro, nunca priorizei. É uma coisa que me cobram muito, dentro da própria banda, até porque produzo outros grupos, e acabei negligente com a minha própria carreira. Agora tenho tempo, e em um segundo momento, eu, Lauro e Lobato temos muita vontade (de fazer um trabalho juntos). Até pela experiência em trabalhar com outras pessoas […] A gente trabalha com arte, tem que se interessar por novos projetos, não podemos nos fechar na nossa própria história […] A arte é o trabalho que a gente se expressa, em casa toco em cada canto, levo o instrumento na mão, fico estudando.

O Rappa é uma das poucas bandas do Brasil que conseguiu se manter no auge durante toda a carreira. Com o passar do tempo, houve muitos questionamentos sobre a adoção de um tom mais ameno às críticas sociais, e até de uma sonoridade mais “pop”. Em sua opinião, é algo que tem a ver com o fim da banda?

Não tem nada a ver com a rotina, tem a ver com o caminho, se a gente repetisse todos esses anos, talvez não atingíssemos o sucesso. Tínhamos medo de ficar repetindo, fazendo sempre a mesma fórmula, eu sempre me afastei disso. Nós nunca fomos planfetários, apesar da identificação com as pessoas. Até porque, nós temos opiniões políticas diferentes, e não levamos isso para o palco. Se a gente tivesse a mesma afinidade –inclusive na música, uns vem de reggae, outros do rock – não teria a mesma originalidade. E me ajudou muito, a forma de dedilhar, encontrar o instrumento, sempre quis construir isso, e as nossas diferenças foram importantes […] Mas claro que a gente olha a sociedade ao nosso redor. Talvez no início fôssemos mais incisivos, e com a maturidade você consegue falar de outra forma, enxergar de forma mais romântica, póetica, diferente de como a juventude cobra.

E essa autenticidade, inventividade, sempre foi uma marca registrada do O Rappa…

O Rappa se apresenta de uma forma muito instrumental. Eu venho da escola do jazz, do rock, para mim é muito importante tocar as mesmas músicas todas as noites, de forma diferente. Se a arte não for uma coisa evolutiva, vira funcionário público né? Foi o que tentamos fazer […] E sempre foi algo perturbador: a mídia tentou nos encaixar em algum segmento, e enquanto isso tocávamos em festivais de reggae, rap, música eletrônica… a gente estava ao mesmo em todos os lugares, não conseguiam nos definir. O nome disso é identidade, e nós conseguimos construir isso.

Neste aspecto, de originalidade, experimentação, você enxerga semelhanças entre o Rappa e a Baiana System?

Total, cara, total. O Baiana System é tipo o Rappa começando: quanto está todo mundo indo para um lado, eles tão indo para o outro. Quando todo estavam indo para o reggae, a gente tava indo para o dub. O Baiana é a mesma coisa, tocando algo diferente. Eu acho genial, maravilhoso, para mim esse é o ponto da história. Eu falo para as bandas que produzo, acho ousado o som deles, a abordagem. Uma hora faz sucesso, as pessoas se identificam. Eu acho genial, tem uma identidade muito forte.

Agora um assunto chato, mas inerente á história da banda. Em 2009, em uma entrevista ao programa Ensaio, da TV Cultura, vocês falaram sobre a relação com Marcelo Yuka, ex-integrante da banda, que saiu após ser baleado e ficar paraplégico. Na ocasião, você se refere a ele como um grande pensador da geração, e cobra dele uma visita a sua filha, já que ele é o padrinho. Atualmente, qual a sua relação com Yuka?

Nenhuma, nenhuma. Assim como foi naquela época que ele se acidentou, a gente procurou toda hora estar próximo, e tivemos que pegar uma fila para falar com ele. De certa forma, o que não aconteceu até hoje foi esse contato, a gente procurou a todo tempo estar perto. “Eu fui colocado de lado, ou me mandaram embora?” Afinidade também, né, tem que ter para estar próximo, talvez não fosse a situação. É verdade que a gente tentou não se colocar nessa celeuma, é uma situação que se existiu o distanciamento, fez parte dos dois lados, né? Mas não, não temos nenhum contato, e imagino que os meninos da banda também não.

Aconteceram muitas coisas no país desde 1993: vocês passaram por dois impeachment, por exemplo. Agora em 2018, completa 25 anos de banda, e muitas mudanças no Brasil. Os problemas sociais que foram combustíveis para as composições, não acabaram né? O que mudou neste tempo? Qual o seu sentimento para o futuro?

Fazemos uma discussão muito grande sobre o futuro do país, querendo solução através da câmara dos deputados, do congresso, de um presidente. Você não muda uma sociedade de cima pra baixo, e sim de baixo pra cima. Por isso desde a época dos militares, continuamos a enxergar desta forma, esperando as decisões políticas para bradar. A sociedade como um todo está apática.  Para isso cabe uma educação maior, integral. Agora a intervenção no Rio, querem resolver a violência com mais violência? Nós já fomos em muitos projetos e shows dentro da favela, e não existe nenhuma atenção do Estado. Vivem amontoadas, sem recurso, condição básica sanitária. É degradante. Eles só entram na hora de fazer o confronto, que está sendo mostrado agora, não dão uma escola de maior qualidade. Minha visão é que se você consegue chegar naquela comunidade, as pessoas se tornam outras, bota a criança o dia inteiro na escola, talvez ela não vire um traficante.

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