Marcos Sampaio é advogado, procurador do Estado da Bahia, professor da Faculdade Bahiana de Direito e da Faculdade de Direito da Unifacs.
Se não houver vento, reme
Episódios como a tragédia de Nice não podem passar sem o nosso repúdio, mas não terão força para impedir que a esperança num mundo melhor persista

Côte d’Azur sempre fez parte do sonho de turismo de muitos brasileiros, deslumbrados com a beleza natural dum espaço no Mediterrâneo marcado pelos festivais de cinema, pela celebração do belo, pelo mar azul e pelo sol forte. Quem planeja conhecer a Riviera francesa, em regra, toma Nice como ponto inaugural, certamente em razão de sua posição geográfica que tanto encantou os ingleses na época em que o território ainda pertencia aos italianos do reino da Sardenha. Um local historicamente cosmopolita.
O que pouca gente sabe é que Nice também é conhecida por um Carnaval organizado (desde o ano 1294) com encenações e desfiles de bonecos gigantes, carros alegóricos e com arquibancadas para os espectadores. Não é a mesma coisa que o Carnaval do Rio de Janeiro, de Recife ou de Salvador, mas sempre foi uma festa concorrida e de celebração da vida.
Faz parte também da tradição do Carnaval de Nice a Batalha das Flores (iniciada em 1876), um desfile de carros floridos de onde personagens fantasiados lançam flores ao público, na famosa Promenade des Anglais e no Quai des Etats Unis.
Na semana passada, Nice não veio a lume por essa desejada vitrine floral, mas pela covardia de um ataque às pessoas que celebravam a liberdade e que foram atropeladas por dois quilômetros de crueldade, em mais um ato estridente do terror e da insanidade que, dia a dia, crescem no mundo.
Ironicamente, no mesmo dia em que se comemorava a queda da Bastilha, um dos maiores símbolos da vitória da liberdade, igualdade e fraternidade, Nice teve que conviver com o ato intolerante de um grupo – a minoria – no mundo que insiste no discurso do ódio, da separação, da diferença e do egoísmo de achar que monopolizam a verdade, com suas crenças, convicções e fanatismos.
Todos perplexos nos perguntamos para onde iremos e até quando o medo e a ameaça serão utilizados como armas para impedir que a humanidade celebre a vida, suas conquistas e seus encantos. Não bastasse a crise econômica e política do mundo contemporâneo, agora querem nos impor o receio a tudo, a qualquer um e a todos os lugares.
Mesmo que falte vento, continuaremos
a remar por um mundo melhor
Nesse clima de medo, nos preparamos (?) para receber os Jogos Olímpicos e as mais de 200 delegações de países, todos desejosos de esgrimir, contender ou de disputar medalhas, mas apenas com batalhas de flores nas suas modalidades desportivas.
O evento ocorre num momento nacional muito delicado, com índices amargos de desemprego e de retração de atividade econômica; com governo interino e finalização de um processo de impeachment; com denúncias graves de superfaturamento, contaminação ambiental em postos de disputas e uma sede com atrasos de pagamento nas áreas de saúde e de pessoal. Poderíamos apresentar uma dezena de argumentos e problemas que deslegitimam e mancham o fervor evento, quase que justificando seu cancelamento, mas não. Isso não faremos.
Os jogos representam, exatamente, a oportunidade de reencontro dos povos, de uma convivência mais amena e lúdica num mundo fragmentado e com medo. O entrelaçamento dos anéis olímpicos representa a união amistosa e pacífica das nações e é exatamente disso que tanto necessitamos, neste momento.
Coube exatamente a um francês, Pierre de Coubertin, inspirando-se no Templo de Delfos e no emblema da União das Sociedades Francesas de Desportos Atléticos, o desenho final dos aros símbolo, com suas cinco cores, pelo menos uma delas presente em todas as bandeiras mundiais. O pensamento de convivência harmônica entre todos continua sendo o recorde olímpico a ser perseguido.
O episódio de Nice não pode passar sem o registro de nosso repúdio à incivilidade, mas também não se pode perder a oportunidade de renovar que nem a tragédia de Monique, nem os acontecimentos em Paris, Orlando ou Nice terão a força para impedir que a esperança humana num mundo melhor persista.
Mesmo que falte vento no Rio de Janeiro, continuaremos a remar, por um mundo melhor.
Marcos Sampaio é advogado, procurador do Estado da Bahia, professor da Faculdade Bahiana de Direito e da Faculdade de Direito da Unifacs.
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