Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Escolas cheias e prisões vazias
Para alcançar este sonho, precisamos que escolas e prisões – cada uma delas à sua maneira – cumpram, efetivamente, a função de educar

Embora não sejam surpresa para ninguém as precárias condições em que se encontra o sistema carcerário brasileiro, são necessárias explosões de violência, como as recentemente ocorridas em presídios do Amazonas e Roraima, para trazerem à tona um problema historicamente colocado para debaixo do tapete.
Não foi sem sentido que os graves problemas enfrentados pela mais complexa das engrenagens do sistema de justiça criminal do país – assassinatos, superlotação, falta de infraestrutura e higiene, maus-tratos, atuação do crime organizado, motins – levaram um então ministro da Justiça a afirmar que, se tivesse que passar muitos anos preso numa penitenciária brasileira, preferiria morrer.
Embora fortes e polêmicas, as afirmações proferidas por José Eduardo Cardozo, infelizmente, apesar de superarem em dramaticidade e crueza os posicionamentos de outras autoridades da área, inclusive de ocupantes anteriores da mesma pasta, não focaram o principal problema das unidades do nosso sistema prisional, pois, governadas por gangues prisionais, nelas o Estado já não está presente.
Longe de ser um problema exclusivo do Brasil, gangues de internos fazem parte do cotidiano da maioria dos sistemas prisionais pelo mundo, sempre potencialmente causadoras de distúrbios, violências e práticas ilícitas dentro dos presídios, pois, segundo David Skarbek, professor do King’s College de Londres, tais grupos, se mantêm exatamente para criar ordem e lucrar onde o Estado não quer ou não consegue atuar.
Não é necessário ser um cientista social ou um criminólogo para compreender que em um país que possui “leis que pegam e leis que não pegam”, estando entre as que não pegaram a de execução penal, o seu sistema penitenciário torne-se um campo propício para a implantação da governança pelo crime.
Nessa lógica, nesses territórios sem soberania, é natural que passe a valer a lei da selva, a lei do mais forte, com o objetivo de coordenar a convivência entre os internos e regular o mercado de bens e serviços ilícitos que, não raro, impera no interior de qualquer grande prisão.
Para obter paz e ordem é preciso
punir os erros e premiar os acertos
Em busca de explicações para o selvagem assassinato de internos no Amazonas e em Roraima, cometido por membros de uma gangue prisional em guerra contra a rival, numa disputa pelo controle do narcotráfico na região norte do Brasil, lembrei-me de Luiz Claudio Lourenço e Odilza Lines de Almeida, pesquisadores do Laboratório de Estudos em Segurança Pública, Cidadania e Solidariedade – Lasso – Ufba, que, inspirados em Michel Foucault quando este afirma que “a prisão é o único lugar onde o poder pode se manifestar em estado nu, nas suas dimensões as mais excessivas, e se justificar como poder moral”, nos ensinam que a violência encontrada nesse sistema social é a manifestação de um poder que se converte em instrumento de dominação.
E nesse contexto, apesar do empenho do atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, em nos garantir que a situação nas prisões do país está sob controle, com gangues dominando quase que a totalidade das unidades do nosso sistema prisional e ante a iminente retaliação do PCC aos ataques sofridos por suas hostes, fica difícil acreditar na impossibilidade da eclosão de outros “acidentes pavorosos”, como os ocorridos no Amazonas e em Roraima, em outros estados da federação.
Em meio à nossa barbárie cotidiana, dentro e fora dos presídios, é natural que se busquem respostas ou saídas para o insano, a brutalidade, a selvageria das tragédias prisionais anunciadas. No entanto, mesmo que uns não queiram, cumpre que se questione se entre o nosso secreto consentimento e um certo deleite, com bandidos exterminando uns aos outros, há espaço para, parodiando o poeta, pensarmos em abrirmos a cabeça, para que afinal floresça, o que ainda resta de humano em nós.
Felizmente, em meio às mais radicais posturas de cunho garantistas e “punitivistas”, também, não faltaram reflexões, despidas de vieses políticos e ideológicos, que, em busca de um caminho a seguir no campo da política penitenciária e da segurança pública no Brasil, evocaram Darcy Ribeiro que, em 1982, durante uma conferência, alertou que, se os governadores não construíssem escolas, em 20 anos faltaria dinheiro para construir presídios.
A profecia se cumpriu. Estamos aqui, trinta e cinco anos depois, perdidos e procurando recursos, em meio a uma grande crise econômica, para construir novos estabelecimentos prisionais, colhendo o que plantamos lá atrás, assistindo impotentes à banalização da violência, da criminalidade e do mal, em meio a escolas que se assemelham a prisões e a prisões que se assemelham a escolas.
Assim sendo, pensando em uma terceira via que nos coloque no caminho do equilíbrio entre o Estado social e o Estado policial, mesmo defendendo menos presídios e mais escolas, sou forçado a acreditar que uma sociedade só pode conviver com razoável grau de paz e ordem se os erros forem punidos e os acertos premiados.
Nessa lógica, sem esquecer do alerta do antropólogo, escritor e político conhecido por seu foco em relação à educação no país, consciente de que há autoridades paralelas muito fortes, além do Estado, com o poder de vida e de morte sobre nós, também sonho com escolas cheias e prisões vazias, mas, até chegarmos lá, precisamos que cada uma delas, à sua maneira, efetivamente, cumpra a função de educar.
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