Minerais críticos e estratégicos: análise jurídica e de política regulatória
Lei será um marco, representando um divisor de águas para o futuro econômico e industrial do Brasil

A capital da Bahia recebe nesta semana o maior evento de mineração da América Latina. E um dos assuntos mais importantes ligados à Expo & Congresso Brasileiro de Mineração (EXPOSIBRAM) é, sem dúvidas, a tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei 2780/2024, que institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE). A Lei será um marco, representando um divisor de águas para o futuro econômico e industrial do Brasil. Neste artigo, trago uma análise do ponto de vista jurídico e político do PL. Confira.
1. Diagnóstico da Lacuna Regulatória e Econômica
O ponto de partida da análise é a identificação de uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro. Embora o Brasil detenha vastas reservas geológicas de minerais essenciais para a transição energética e segurança alimentar (lítio, cobalto, potássio, fósforo, etc.), ele carece de um “marco legal claro”, específico, em razão da importância do setor e dos bens minerais estratégicos, tal como ocorre com o tratamento que é dado ao petróleo, que possui agência reguladora própria (ANP) e uma lei específica (Lei n. 9.478/1997).
Assim, a ausência de um tratamento legal claro, adequado e específico gera, a priori, duas situações:
- Insegurança Jurídica: a ausência desta política nacional gera insegurança jurídica, que é historicamente um dos maiores entraves para investimentos de capital intensivo e de longo prazo, como os da mineração.
- Contexto Global: a análise situa juridicamente o PL como uma resposta à “corrida” global pela transição energética e pela segurança alimentar. O projeto é, portanto, um instrumento de política econômica e geopolítica, visando posicionar o Brasil nesse novo cenário. Ademais, há um relevante aspecto político que diz respeito à afirmação da soberania brasileira, vez que o PL, em sendo aprovado e convertido em lei, promoverá uma independência do Brasil nos setores energético e alimentar.
2. Instrumentos Jurídicos de Fomento Propostos
A análise identifica que o PL 2780/2024 busca preencher a lacuna regulatória por meio de instrumentos de fomento concretos, destinados a “destravar” financiamentos:
- Regime Especial de Incentivos (REIDI): a inclusão de projetos de minerais estratégicos no REIDI é um mecanismo tributário relevante. Juridicamente, ele suspende a exigência de PIS/COFINS na aquisição de bens e serviços para obras de infraestrutura, reduzindo drasticamente o custo de implantação (CAPEX) dos projetos.
- Extensão da “Lei do Bem” (Lei nº 11.196/2005): ao sugerir a aplicação desta lei, o PL busca conectar a política mineral com a política de inovação. Isso permitiria que empresas do setor usufruíssem de incentivos fiscais (como deduções de Imposto de Renda) sobre gastos com Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), incentivando não apenas a extração, mas a tecnologia de beneficiamento.
3. Da crítica ao PL: O Risco do Modelo Primário-Exportador
A análise alerta que os incentivos, se mal desenhados, podem simplesmente subsidiar a extração de matéria-prima bruta (commodities), repetindo um padrão histórico (“modelo primário-exportador”).
O risco jurídico-econômico é o de o Brasil usar seus recursos (inclusive fiscais, via incentivos) para fomentar a industrialização em outros países (os que compram o minério bruto para processá-lo), assim, ao invés do instrumento legal proporcionar o desenvolvimento econômico brasileiro, pode auxiliar a manter o Brasil no mesmo status, continuando a ser somente um país exportador de commodities.
4. Proposta de aperfeiçoamento legislativo: A “Condicionalidade” dos Incentivos
Como solução para o risco identificado, a análise propõe um mecanismo jurídico específico: o condicionamento.
- Técnica Regulatória: sugere-se que o texto legal seja explícito ao atrelar os benefícios fiscais e regulatórios (como o REIDI ou a prioridade na ANM) a uma contrapartida obrigatória do investidor.
- A Contrapartida (O Fim da Norma): a contrapartida exigida é a “verticalização da cadeia”. Juridicamente, isso significa que a lei deve diferenciar e favorecer empresas que se comprometam com o “beneficiamento e transformação do mineral em território nacional”.
- Impacto: Essa abordagem transforma o PL de uma mera política de fomento à extração (política mineral clássica) em uma efetiva política industrial. É isso o que todos nós, enquanto sociedade, desejamos.
5. Análise do processo legislativo (O “Timing”)
O texto conclui com uma análise pragmática sobre a tramitação do projeto no Congresso Nacional:
- Aprovação da Urgência: é interpretada como um “sinal político” positivo, demonstrando que o Legislativo compreende a necessidade de celeridade (“timing” global).
- Criação da Comissão Especial: ao invés de ver a criação da comissão como um atraso, a análise a define como a “arena correta para o debate técnico”. Isso é juridicamente relevante, pois um marco regulatório complexo como este, votado apressadamente em plenário (devido à urgência) sem o crivo técnico das comissões, poderia gerar normas falhas, ineficazes ou juridicamente questionáveis. A Comissão permite a oitiva de stakeholders essenciais (como a ANM e a indústria) para calibrar a lei.
Conclusão da análise
A análise jurídica ora exposta conclui que o PL 2780/2024 é um “divisor de águas” e uma iniciativa essencial. No entanto, seu mérito jurídico-econômico não está na sua existência, mas na sua qualidade técnica. O texto defende que o Congresso deve priorizar a “verticalização” e a “industrialização” por meio de incentivos condicionados, garantindo que a soberania nacional seja exercida não apenas sobre o subsolo (reservas), mas sobre a tecnologia e o valor agregado gerados a partir dele.
O autor Cássio Pitangueira é advogado e professor especializado em Direito Minerário. É diretor jurídico do Núcleo de Mineração do Gamil Föppel Advogados Associados e também diretor jurídico da Sílica del Piero (SDP). Formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é mestre em Direito Privado pela UFBA e especialista em Direito Civil também pela UFBA. Foi membro da Comissão de Direito Minerário da OAB/BA (2020/2022) e é membro da Comissão de Arbitragem Empresarial da OAB/BA (2020/26). Parecerista e palestrante, é autor de artigos e obras jurídicas.
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