Graduada e mestre em Relações Internacionais, com foco em Geopolítica; tem experiência em análises conjunturais para diversos institutos de pesquisa da PUC MINAS, Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade de Groningen, na Holanda; já trabalhou na pesquisa e redação de clippings e notícias para a base de dados CoPeSe, parceria com o programa de Voluntariado das Nações Unidas.
Publicado em 05/08/2025 às 06h00.
O mundo de olho no Brasil: o SUS como referência internacional em saúde pública
Júlia Cezana

O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores e mais abrangentes sistemas públicos de saúde do mundo. Criado a partir da Constituição Federal de 1988 e oficialmente implementado em 1990, tem como princípio central o acesso integral, universal e gratuito aos serviços de saúde para todas as pessoas no Brasil, sejam elas brasileiras ou estrangeiras. O SUS cobre desde atendimentos básicos até procedimentos de alta complexidade, realizando, em média, mais de 2,5 bilhões de atendimentos por ano.
Ao longo de seus 35 anos de existência, o SUS consolidou-se por meio de uma gestão participativa, na qual conselhos de saúde — formados por representantes da sociedade civil, gestores e profissionais da área — têm papel ativo nas decisões políticas e orçamentárias do sistema. Seu modelo de funcionamento é amplamente reconhecido por organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e entidades como Médicos Sem Fronteiras. Essas instituições destacam o SUS como referência global pela sua estrutura, eficiência e capilaridade. O sistema se destaca especialmente em áreas como vacinação, transplantes, resposta a epidemias e na promoção da saúde ao longo de todo o ciclo de vida. Além da assistência direta, o SUS também atua em vigilância sanitária, atenção primária e especializada, pesquisa científica e formação em saúde.
Dentre os vários programas do SUS que receberam reconhecimento internacional, os de mais destaque foram o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e o programa de combate ao HIV/AIDS. Também é importante o sistema de monitoramento epidemiológico e de resposta a emergências do SUS, que possui uma das redes de vigilância em saúde mais avançadas da América Latina. A capacidade de monitoramento e notificação de doenças, com dados transparentes e acessíveis também já foi mencionada em relatórios da ONU e da OMS como essencial para respostas rápidas a surtos e epidemias.
Apesar dos desafios enfrentados (como o subfinanciamento crônico, dificuldades na gestão e grandes desigualdades regionais), o SUS é um patrimônio brasileiro. Sua estrutura descentralizada, sua abrangência em termos populacionais e sua eficiência em diversas áreas estratégicas o tornaram um modelo observado, estudado e elogiado por instituições de referência mundial. Contudo, para que funcione da melhor forma possível, é dependente de cada gestão presidencial e, para além, de uma série de políticas públicas e programas sociais. Por isso, ao se falar da intersecção entre saúde, política e justiça social, é necessário que haja o reforço na garantia do seu funcionamento e da existência de políticas de melhoria do Sistema que tem a saúde no nome e na motivação-base.
Inspiração
O processo de criação do SUS, durante a década de 80 e 90, adveio de movimentos políticos e sociais que demandam maior assistência organizacional por parte do governo nas áreas da saúde. Seu processo de estruturação foi em grande maioria inspirado no Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (também conhecido como NHS, na sigla em inglês), cuja existência se deu no ano de 1948, pouco após a Segunda Guerra Mundial.
O sistema britânico foi precursor e grande referência, por ser um sistema que visualiza o acesso universal à saúde. Perpassou por diversas estruturas organizacionais diferentes e, atualmente, é constituído por intermediário da ação de um médico generalista (ou médico de família), o qual organiza e direciona o paciente ao cuidado especializado. Tendo como ponto de partida uma ação direcionada à saúde básica, o NHS ordena o cuidado de forma hierárquica e guiado por evidências. Para além disso, promove e realiza campanhas de saúde pública e coletiva. Um furioso a respeito do NHS é que ele, por se tratar de um sistema do Reino Unido, abrange Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte – os quais, juntos, somam mais de 65 milhões de pessoas. Comparativamente, o SUS atende os mais de 200 milhões de habitantes no Brasil, ou seja, mais que o triplo do NHS
É importante citar que, apesar de ter sido baseado no NHS, a criação do SUS foi fundamentada em duas características particulares ao estado Brasileiro. Primeiro, uma amplitude cultural, por englobar povos indígenas, quilombolas, populações vulneráveis e em áreas de difícil acesso e, até mesmo, a menor parcela da população de maior poder aquisitivo. Segundamente, o sistema brasileiro também possui grande foco social, ou seja, na assistência básica e na preocupação com a melhoria da qualidade e da expectativa de vida da população.
Apesar de serem inspiração e inspirador, o SUS e o NHS possuem algumas diferenças. As diferentes realidades de cada país refletem em diferentes demandas e, consequentemente, impactam na forma de alocação de recursos e no serviço que será prestado às respectivas populações. Uma das grandes divergências diz respeito à forma de financiamento e estrutura. O NHS recebe uma porcentagem dos impostos gerais do governo (que, em 2021, correspondia a 10,3% do PIB). Já no Brasil, o dinheiro do SUS advém de contribuições sociais, impostos e parte do orçamento dos governos municipais, estaduais e federais (o que, ao todo, corresponderam a 4% do PIB em 2021).
Em termos de cobrança aos pacientes, o SUS é reconhecido por ser um sistema universal gratuito, mas o mesmo não pode ser dito do sistema britânico. Apesar de a maioria dos serviços prestados pelo NHS serem gratuitos, há algumas exceções (como tratamentos oftalmológicos e odontológicos, por exemplo) as quais os pacientes precisam pagar por taxas. Além disso, o paciente no NHS deve pagar pela prescrição médica (com exceção de alguns itens gratuitos – como anticoncepcionais), enquanto no Brasil, a prescrição é gratuita.
Com relação às dificuldades enfrentadas, para além do que foi supracitado, uma das grandes dificuldades do SUS é com relação à incorporação de novas tecnologias. No Brasil, é necessário que haja uma análise de uma comissão nacional (a Conitec), que deve seguir as diretrizes do Ministério da Saúde. Esse processo, que pode demorar 180 dias e se estender por mais 90 dias, pode gerar atrasos, por exemplo, na inserção de um medicamento ou imunizante necessitado. Já com relação ao NHS, um dos principais gargalos do sistema é com relação à fila de espera que, no ano de 2023, era de 7,6 milhões de pessoas aguardando atendimento. Para além da demora no atendimento, as greves são muito frequentes (e motivadas por uma carência de financiamento que vem acontecendo há, no mínimo, 15 anos) o que acaba impactando diariamente no fornecimento do serviço à população.
O contexto americano
O início da formulação de uma Política de Saúde nos Estados Unidos é datado da primeira década do século XX, mas apenas durante a Grande Depressão (1929-1939) é que o governo viu a necessidade de garantir à população políticas sociais de garantia de emprego, assistência médica e aposentadoria. Durante o século XX várias políticas e iniciativas governamentais passaram a existir e tomar forma, de forma a administrar a saúde pública no país.
O sistema de saúde pública estadunidense é caracterizado por sua estrutura descentralizada, com responsabilidades distribuídas entre os níveis federal, estadual e local. Diferentemente de países como o Brasil, que possuem um sistema de saúde unificado, os Estados Unidos dependem de uma rede de agências e departamentos que operam de forma semi-independente. O financiamento da saúde pública estadunidense é oriundo da somatória de subsídios federais, orçamentos estaduais e recursos dos governos locais e, por isso, costuma ser irregular, tendendo a aumentar apenas em momentos de crise.
No nível federal, agências-chave como os Centers for Disease Control and Prevention (CDC), os National Institutes of Health (NIH) e a Food and Drug Administration (FDA) desempenham papéis centrais na prevenção de doenças, pesquisa médica, regulação de medicamentos e segurança alimentar, resposta a emergências, dentre outras áreas. Além do nível federal, departamentos de saúde estaduais e locais ficam responsáveis pela implementação dos programas de saúde pública nas comunidades, ou seja, cada estado define suas próprias políticas de saúde Como consequência, há grandes variações nos serviços prestados e no acesso à esse serviço em todo o país.
Nos EUA, a maior parte do cuidado médico é oferecida por hospitais e clínicas privadas, dos quais a maior parte da população é dependente. O sistema norte-americano depende fortemente de mecanismos de mercado e programas públicos direcionados, como Medicaid, Medicare e a Veterans Health Administration, os quais oferecem cobertura a grupos específicos, como idosos e pessoas que possuem baixa renda. Por conta da falta de universalização no acesso à saúde, há lacunas no fornecimento de um serviço universal o que, por conseguinte, impacta diretamente na saúde da população.
Os diferentes sistemas nacionais possuem diversos níveis de abrangência, com pontos de melhoria e de atenção. Mesmo com suas falhas, é inegável a importância, tanto estratégica, quanto no dia-a-dia, na garantia do direito fundamental do cidadão à saúde. Atuando em diversos contextos, são fundamentais para salvar vidas, reduzir desigualdades e colocar o bem-estar da pessoa no centro das políticas públicas. No Dia Nacional da Saúde, frisamos a importância de reconhecer e valorizar o Sistema Único de Saúde, uma conquista coletiva que não deve ser dada como garantia eterna.
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