Publicado em 10/08/2020 às 10h12.

Reportagem foi editada, diz representante de indústrias de sisal que admitiu irregularidades

Após entrevista à Record TV, sem saber que estava sendo gravado, Wilson Andrade reconheceu que "esquema tá errado"

Alexandre Santos
Wilson Andrade, representante das indústrias de sisal da Bahia (Imagem: Reprodução/Record TV)
Wilson Andrade, representante das indústrias de sisal da Bahia (Imagem: Reprodução/Record TV)

 

Wilson Andrade, presidente do Sindifibras (entidade que representa indústrias de sisal da Bahia), divulgou uma carta na qual enumera afirmações que, segundo ele, teriam sido suprimidas em uma reportagem da Record TV sobre condições de trabalho análogo à escravidão em 65 cidades do estado. As atividades envolvem condições desumanas em que trabalham adultos e crianças nas lavouras de sisal, planta que serve de matéria-prima para produção de cordas, chapéus e tapetes.

Na reportagem, Andrade admitiu a situação de irregularidades. “O esquema é completamente irregular. É completamente irregular. Não tem registro. O cara trabalha como autônomo. Chega na sua fazenda, tira o sisal. Metade é seu, metade é meu. Tá errado. Ela tem razão. Agora você tem que defender naquilo que pode, tá certo?”, diz Andrade no vídeo.

A afirmação foi feita após entrevista ao programa Repórter Record Investigação, da Record TV, exibida na noite da última quinta-feira (6). Terminada a entrevista, realizada via chamada de vídeo, Andrade não encerrou a ligação e fez as declarações sem perceber que ainda estava sendo ouvido pela reportagem.

Ao bahia.ba, o Ministério Público do Trabalho no Estado (MPT-BA) confirmou a instauração de processo com um conjunto de ações para modificar a realidade dessa cadeia produtiva em que há 300 mil empregos (12 mil informais) diretos e indiretos.

No total, 12 empresas fazem a manufatura do material. Destas, seis exportam a fibra a peso de ouro.

Dentre as irregularidades veiculadas pelo programa da Record, chamou atenção os valores que são pagos aos trabalhadores. Um cevador, por exemplo, recebe de R$ 150 a R$ 200 por semana. A maioria mora em tendas montadas próximas ao campo, com os poucos alimentos amontoados em caixas de papelão.

Um trabalhador relatou que a riqueza sai do país para o bolso dos produtores e disse que, para eles, sobram apenas trabalho e cansaço.

A repórter da Record chorou ao dividir o escasso alimento oferecido por uma família de cevadores.

Abaixo, a íntegra da carta divulgada por Wilson Andrade:

“A reportagem da TV Record do dia 06/08 destaca irregularidades localizadas nos campos de sisal com menores de idade, péssimas condições no ambiente rural, relatando acidentes de anos atrás, jornadas longas e renda mínima para as equipes de corte e desfibramento das folhas.

Argumentei que a atuação formal do Sindifibras é limitada às INDÚSTRIAS e que estas não têm empregados no campo, apenas nos prédios onde estão instaladas. Que as indústrias cumprem as leis trabalhistas, ambientais e sociais. Que o setor tem pisos salariais acima do salário mínimo e condições de trabalho e benefícios negociados em Convenção Coletiva com o sindicato dos trabalhadores nas indústrias.

Disse que, mesmo sem delegação formal na área rural, interessa ao setor o ordenamento de toda a cadeia produtiva e as indústrias têm contribuído com diversas ações: 1- seis novas máquinas desfibradoras, mais seguras e produtivas, estão em fase operacional na região; 2 – financiamento parcial do processo produtivo e 3 – sugestões de políticas públicas que possam melhorar cada vez mais as condições dos trabalhadores no campo.

Expliquei que as equipes que trabalham no desfibramento são itinerantes e terceirizadas, pois quase na totalidade das fazendas esta atividade acontece apenas uma ou duas vezes por ano em cada fazenda, com duração em torno de 30 dias a cada ano. Assim, como acontece com diversas outras culturas, as equipes de corte e desfibramento são itinerantes e terceirizadas diretamente entre os proprietários dos plantios e as equipes de serviço sem interferência formal das indústrias na administração do trabalho ou remuneração.

Afirmei, mais de uma vez, durante e depois da entrevista, que os vídeos que me foram mostrados durante a entrevista on line mostram mesmo irregularidades que precisam ser coibidas por todos e que, de forma alguma, representam a realidade do setor como um todo.

Mencionei ainda que a fiscalização por parte dos órgãos responsáveis e acompanhamento das empresas deve se intensificar, embora seja difícil, pois envolve atividades em mais de 10.000 pequenas fazendas, em lugares de difícil acesso, com área total plantada de 90.000 hectares, em 50 municípios espalhados no imenso semiárido baiano.

Infelizmente a reportagem foi editada suprimindo muito do que falei, como está acima.

Cordialmente,

Wilson Andrade”

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