Ford fecha fábrica na Bahia como parte da sua estratégia de reposicionamento no mercado
Artigo de Rafael Sales Rios
A decisão da Ford de encerrar suas atividades no Brasil é fruto de um conjunto de fatores internos e externos à companhia e consequência de uma nova estratégia para o negócio, do ponto de vista global. Este caso mostra como as montadoras já redesenharam suas políticas empresarias, mas falta o Brasil redesenhar suas políticas industriais.
Em janeiro de 2019, a Ford já havia anunciado alguns detalhes sobre o redesenho da empresa para lidar com o futuro do setor de transporte e mobilidade. O novo posicionamento da montadora no mercado mundial tem como estratégia focar nos segmentos de produtos de alto crescimento, veículos autônomos, serviços de mobilidade, aptidão operacional e cultura de alto desempenho
O objetivo principal da empresa é que o portfólio de produtos capturasse uma parte mais financeiramente saudável dos segmentos de mercado. De maneira concreta, a empresa decidiu por abandonar o segmento de carros de passeio nos EUA. O mercado norte-americano é o principal mercado consumidor da Ford, onde possui quase 14% de market-share e seus caminhões representam 51,3% de suas vendas, seguido dos modelos SUV, com 34,3% das vendas.
Para a América do Sul, a Ford anunciou que as ações para a região contemplariam a otimização direcionada aos pontos fortes da empresa, com foco na redução de custos estruturais e melhoria de eficiência. Tanto que, em 2018, houve uma redução de 20% no número de funcionários administrativos. Em termos de volume de vendas, destaca-se que o mercado sul-americano não é o principal mercado de atuação da Ford, por isso o foco em ser eficiente em custos é crucial para a manutenção de suas atividades.
Em seus relatórios anuais dos últimos quatro anos, a Ford já chamava a atenção sobre alguns riscos e incertezas que cercavam seus negócios globais. Primeiramente, destaca-se que há a ameaça de enfrentar o aumento da concorrência de preços resultante do excesso de capacidade da indústria (a indústria brasileira tem uma capacidade de produzir cerca de 4,8 milhões de veículos/ano, mas tem produzido cerca de 2,6 milhões/ano). Outros dois pontos de destaque foram que as taxas de câmbio de moedas estrangeiras podem ter efeitos significativos sobre os resultados e que os incentivos governamentais recebidos estavam sujeitos a redução ou rescisão.
É neste contexto que se deve analisar a relevância estratégica da fábrica da Ford na Bahia, unidade especializada na fabricação dos modelos EcoSport e Ford Ka. Apesar do pioneirismo e do sucesso do EcoSport, desde 2018 o modelo perdeu espaço no mercado brasileiro para os “SUVs compactos” (Honda HR-V, Jeep Renegade, Nissan Kicks e Hyundai Creta). Apesar do Ford Ka ser o modelo mais vendido da empresa no Brasil, o seu problema é ser um modelo pequeno, de baixo valor agregado e que não garante grandes margens de lucro para a matriz.
A política industrial brasileira para o setor automobilístico sempre se pautou (i) na manutenção de postos de trabalho e (ii) na proteção ao mercado interno para exploração das montadoras que fabricassem seus veículos no Brasil. O resultado é que hoje temos plantas industriais com capacidade instalada ociosa, pouco flexíveis e voltadas para a fabricação de modelos de automóveis que atendem exigências legais e preferências do mercado brasileiro. Apenas 15% da produção nacional é exportada, tornando o faturamento das unidades brasileiras dependentes dos ciclos econômicos do Brasil.
De acordo com estudo da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), o setor automobilístico baiano teve seu auge em 2010, quando representava 10,4% da indústria. Quando se relativiza a participação deste setor na indústria de transformação, verifica-se que o setor representava 3,5%, em 2019, quando chegou a representar 7,5%, em 2011. O setor chegou a representar 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da Bahia, em 2011, mas viu sua participação encolher para 0,3% do PIB baiano, em 2019.
Ressalta-se, também, a influência da forte e rápida desvalorização cambial que ocorreu no ano de 2020, o que diminui a expectativa de faturamento (em dólar) da divisão da América do Sul da Ford. É preciso lembrar que a divisão sul-americana da empresa tem um histórico recente de prejuízos: Em 2016, a marca amargou um prejuízo de US$ 1,2 bilhão na América do Sul, montante que foi reduzido para US$ 680 milhões em 2018.
Jim Hackett, ex-CEO da Ford e atual consultor especial da empresa, aposta que o mercado de SUVs e picapes será o vetor de crescimento da empresa, enquanto que as montadoras orientais ocuparão o segmento de veículos para passeio. A corrida por modelos elétricos, conectados e autônomos é outro foco da empresa, mas que exige um investimento considerável – outro motivo para que a empresa tenha legítima preocupação em aumentar suas margens de lucros.
A Ford precisa melhorar suas receitas e, assim, ter recursos para fazer a migração para a economia digital que transformará o mercado automobilístico em breve. O mercado financeiro recebeu bem essa decisão da empresa, um dia após o anúncio do fechamento das fábricas no Brasil, as ações na Bolsa de Nova Iorque atingiram o valor de U$9,78, uma valorização de 5,16% em relação ao preço do dia anterior e o maior valor da ação nos últimos seis meses. Na mesma semana, novo recorde estabelecido: US$10,17.
Pelo lado do governo brasileiro, esta é uma boa oportunidade para se repensar as políticas industriais para o setor, que gozam de grandes benefícios fiscais em um momento macroeconômico delicado para as contas públicas. Considerando que o setor está prestes a passar por mudanças tecnológicas relevantes, apostar em políticas velhas, e que repetidamente apresentam os mesmos resultados frustrantes, não parece ser o melhor caminho.
*Rafael Sales Rios é economista em atuação na Arazul Capital; foi coordenador na Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda
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