Emicida canta Caetano, Cartola e até Pixinguinha em show na Concha

“Nem todo mundo que tá é. E nem todo mundo que é tá”, diz o último verso da terceira música apresentada por Leandro Roque em seu show na Concha Acústica do Teatro Castro Alves no último domingo (4). Se o público entendeu o que o artista quis dizer ou se importou de estar e não ser, fica o mistério. Mais conhecido como Emicida, o paulista lotou as arquibancadas e fez todo mundo cantar até os versos mais “trava-língua” dos seus raps. Sempre levantando a bandeira da luta negra, com frases como “A gente gosta da nossa autoestima que nem o nosso cabelo, pra cima” e “Pra nós o universo, pros racista o banheiro do Mackenzie”, é agridoce vê-lo se apresentar com ingressos a R$60 e cerveja a R$8.

O repertório da turnê “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa” (2015) passeia pelo disco de mesmo nome, fruto de uma viagem do músico pelo continente africano, sem se esquecer do excelente “O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui” (2013). “Boa Esperança”, segunda canção do concerto, veio acompanhada de um trecho do filme “Opaió” – aquele no qual Lázaro Ramos esbraveja contra o preconceito do personagem de Wagner Moura. Um dedo na ferida, a música traz trechos como “cês diz que nosso pau é grande, espera até ver nosso ódio” e fez a Concha ficar em silêncio. Ou, pelo menos, foi o que aparentou.

A banda que já o acompanhava na turnê de seu trabalho anterior – formada por Doni Jr. (cavaco/violão), Anna Trea (guitarra/percussão), Carlos Café (percussão), Samuel Bueno (baixo) e DJ Nyack – ganhou o reforço da percussionista Sivuca. Além deles, a capital baiana foi palco de estreia para o irmão caçula de Emicida, Fióti, que fez o primeiro show do seu EP “Gente Bonita”, na abertura do evento. Os desavisados tomaram um susto com a semelhança entre os dois e aceleraram o passo ao vê-lo, achando que a atração principal havia começado a tocar. Semelhança essa que se resume à aparência, pois o trabalho do irmão mais novo se apoia nas vertentes do samba.

‘Vaza, Temer‘ – Se a Concha já estava balançando, ela foi a baixo com a participação de Russo Passapusso, vocalista da banda “BaianaSystem”. Apesar de juntos no palco, Emicida se limitou a ver de longe o baiano se apresentar com a conhecida “Playssom”. Os conterrâneos Mobbiu e Nouve também deram o ar da graça durante a canção “Mandume”. No setlist do rapper, agradáveis surpresas como “Preciso me encontrar”, do saudoso Cartola, e “Haiti”, de Caetano Veloso, que encaixaram direitinho com o  “Carinhoso”, de Pixinguinha, declamada como um declaração de amor à cidade de Salvador. Foi bonito de ver.

Como não poderia deixar de ser, o cenário político brasileiro virou pauta. Antes mesmo de o show começar, os dizeres “Vaza, Temer” tomaram conta do telão e voltaram a aparecer no encerramento. “A gente vive tanto tempo lutando por liberdade pra acabar caindo num golpe como esse que o Brasil tá passando agora”, falou.

“Infelizmente, a gente continua lutando pelo mínimo. E é ridículo ter de lutar pelo direito de estar vivo. É deprimente eu ter que dizer para o meu país que o jovem preto merece estar vivo. Estamos em 2016 e parece que eu estou debatendo com 1888”. continuou. E, como diz o próprio Leandro da Zona Norte da grande São Paulo, na letra de Casa, “é pau, é pedra, é míssil/e crer é cada vez mais difícil/ Entende um negócio: nunca foi fácil”.

Setlist
1. 8
2. Boa Esperança
3. Bang!
4. Gueto
5. Mãe
7. Madagascar
8. Chapa
9. Preciso Me Encontrar (Cartola)
10. Baiana
11. Haiti (Caetano Veloso)
12. Passarinhos
13. Mufete
14. Playssom (Part. Russo Passapusso)
15. Zica Vai Lá
16. Nóiz
17. Triunfo
18. Mandume (Part. Mobbiu e Nouve)
19. Ubuntu Fristili
20. Casa
21. Carinhoso (Pixinguinha)
22. Então Toma
23. Levanta e Anda