Há 10 anos sem Padre Pinto, Festa de Reis não é mais aquela
O sacerdote foi afastado da Paróquia da Lapinha em 2006, após uma performance considerada escandalosa. Desde então a festa murcha
Nesta quinta-feira (5), quando os primeiros ternos começarem a desfilar na Lapinha, completar-se-ão 10 anos da tradicional Festa de Reis sem o padre Pinto. O sacerdote foi afastado da paróquia após uma performance considerada escandalosa, durante a mesma festa, em 2006: ele dançou em homenagem a Oxum, o orixá da doçura no candomblé, devidamente paramentado.
Não era a primeira vez que o religioso encarnava o sincretismo em seus gestos eclesiásticos, mas naquela ocasião a notícia tornou-se nacional e a Arquidiocese de Salvador decidiu pelo afastamento do padre José de Souza Pinto, após 33 anos à frente da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Lapinha, não sem antes submetê-lo a exames psiquiátricos.
“Sem ele a festa tem diminuído gradativamente, isso é notório”, avalia Edna Benito, moradora do bairro. E explica: “O padre Pinto era muito envolvido nas atividades aqui da Lapinha, era realmente presente, conhecia todo mundo pelo nome, e já estava à frente da igreja há muito tempo… era isso que fazia a festa ser tão bonita na época dele”. Outro morador, católico de fé, segue a mesma linha de raciocínio: “A festa era um reflexo da ação comunitária dele”, diz Lucas Silva, atendente em um mercadinho no Sieiro.
Já no primeiro ano sem o padre Pinto, em 2007, o Terno da Anunciação, fundado por ele no início da década de 90 (marcando o renascimento da celebração, então também em decadência) não desfilou por falta de incentivo da igreja. O padre Roberto, primeiro substituto de Pinto, ao ser criticado pelo presidente do grupo Terno de Reis da Bahia, Gerônimo Gomes dos Santos, honestamente admitiu falta de conhecimento na matéria e prometeu aprender, para que a celebração não perdesse o brilho. Mas não adiantou. Hoje, com a paróquia sob a liderança do padre Jerônimo Silva, a Festa de Reis não tem o mesmo encanto, nem o mesmo caráter. “O que mais tem agora é paredão, carro com porta-malas fazendo zoada, briga…”, reclama Regina Maria, moradora da Caixa D’Água, ali pertinho.
Após uma sucessão de aparições chocantes para grande parte da comunidade católica (e mesmo leiga), inclusive em uma boate gay, aparentemente embriagado, onde se refere aos líderes eclesiásticos como “bichas” (“As bichas me expulsaram. Principalmente a chupona, que é a provincial. E, claro, a boneca aqui, que não brinca em serviço, se picou!”), o padre Pinto, marcante justamente por sua personalidade comunicativa, ficou incomunicável. Ele vive agora na sede da Sociedade das Divinas Vocações (ordem à qual pertence), no bairro de São Caetano, onde se prepara para um dia voltar ao sacerdócio. Tentamos falar com o padre, por telefone, mas não conseguimos.
Falamos, isso sim, com um ex-coroinha da igreja da Lapinha, que preferiu não se identificar, mas garante ter conversado com o padre, também ao telefone, há pouco menos de um mês. “Ele está normal. O mesmo senso. O mesmo raciocínio exato, objetivo”, diz. Nossa fonte destaca os trabalhos de combate à fome e à pobreza desenvolvidos pelo padre Pinto na Lapinha e diz acreditar que a fase escandalosa do religioso deveu-se a má influência de “aproveitadores”. Além da morte da mãe do padre, dona Zizinha, que o deixara muito abalado. “Ele era filho único, muito apegado à mãe. Inclusive morava com ela na igreja, com anuência da instituição. Quando a mãe morreu, ele ficou muito fragilizado, deprimido, acho que isso influenciou em tudo aquilo. Além das presenças negativas que o ofereciam bebidas…”, afirma.
Além de padre, José Pinto é artista plástico (o monumento aos três reis magos que permanece na praça da Lapinha é obra dele) e bailarino formado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A harmonia (ou a tensão) entre os três dotes foi responsável pelo apogeu da Festa de Reis, mas também causou o afastamento do padre da igreja (de onde ele chegou a declarar que só sairia “morto”). Hoje a festa não é a mesma, a Lapinha não é a mesma e, invariavelmente, o padre Pinto não é mais o mesmo. Duas fotos postadas na internet ilustram bem a dupla-face do sacerdote. Na primeira, ele está dançando em uma boate, de tamancos femininos etc. Na outra, austero, Bíblia na mão, é outro homem. “Temos que recuperar a alegria, a tradição da festa, mas sem despirocar. A Lapinha sente falta do Pinto”, brinca Zuleide Silva, fã e fiel.
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