Publicado em 14/11/2016 às 16h45.

‘O Último Trago’ traz cinema experimental inventivo, mas mal executado

Quatro pares de mãos e olhos masculinos contam a história de uma índia, Valéria, e a importância de sua figura em momentos históricos distintos

Clara Rellstab
Foto: Divulgação
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Exibido na última sexta-feira (11) no festival Panorama Internacional Coisa de Cinema, “O Último Trago” é um filme escrito por Francis Vogner dos Reis, Luiz Pretti e Pedro Diógenes, e dirigido por estes dois últimos e Ricardo Pretti. Quatro pares de mãos e olhos masculinos contando a história de uma índia, Valéria, e a importância de sua figura em momentos históricos distintos.

A distinção, no entanto, não se limita à historicidade, apenas: o longa é dividido em três partes, cada qual com um diretor, que aplica sua respectiva noção estética-narrativa à película. Um deles –  Pedro Diógenes – , esteve presente ao evento e, desde o início de sua fala, pediu ao público que tivesse “mente aberta” ao vislumbrar os 98 minutos de projeção. Mente aberta e paciência, diga-se de passagem, para aguentar o passeio entre cinema experimental, dadaísmo, western e surrealismo radical.

Antes de mais nada, é importante ressaltar que o filme é uma realização de um coletivo-audiovisual-alternativo-cearense, chamado “Alumbramento”. Junto desde 2006, o grupo rejeita a “formatação” e faz jus ao significado de seu nome, que sugere algo que engane o espírito, ilusório e proveniente de um sopro de criatividade. Este é o primeiro longa do coletivo que contou com verba de edital.

No primeiro ato, somos apresentados à figura central da história, uma indígena –  interpretada pela excelente Samya de Lavor, de “Boi Neon” – , que foi soterrada pela violência do mundo contemporâneo e tenta restabelecer sua identidade. Após ser resgatada, ferida, na estrada por um homem em uma picape, a moça segura o objeto de ligação entre todas as histórias: uma fotografia sua, em preto e branco, com frases motivacionais de caráter feminista escritas à mão em seu verso.

Foto: Divulgação
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Em sua segunda parte, o filme opera de maneira mais segura e amarrada. Com uma direção de fotografia impecável –  que rendeu a Ivo Lopes Araújo o prêmio da categoria no Festival de Brasília – , somos levados a um bar no meio do sertão. No estabelecimento, Vicente, Marlene e Cláudio se deparam com a assombração de Valéria. Ela convoca Vicente a participar de sua luta. Nesta parte, em especial, conseguimos ter noção do domínio da luz do ambiente, com excelentes takes noturnos quase teatrais, e da qualidade do som. Destaque para a captação da cantoria entoada pela Marlene de Larissa Siqueira.

“Os vivos pedem vingança. Os mortos minerais e vegetais pedem vingança. É a hora do protesto geral. É a hora dos voos destruidores. É a hora das barricadas, dos fuzilamentos. Fomes desejos ânsias sonhos perdidos. Misérias de todos os países uni-vos!”, é a sinopse do filme e basicamente resume o terceiro e último ato do longa. Após cometerem um crime, em um cenário que remete ao colonialismo, três mulheres se escondem em uma casa abandonada e são, praticamente, devotas à imagem de Valéria, descrita como ícone de guerreira e pirata. É neste momento em que a arrogância do experimentalismo exagera na semiótica.

A intenção é boa, mas a execução deixa a desejar. De qualquer maneira, em tempos de Globo Filmes, não deixa de ser agradável ver o experimental ganhando espaço – nem que seja só nos festivais.

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