Publicado em 23/10/2025 às 06h00.

Ídolo do Bahia relembra como foi jogar com e contra Pelé; confira

Reserva de Pelé no Santos, Elizeu enfrentou o Rei jogando com a camisa tricolor

João Lucas Dantas
    Elizeu Godoy (pelo Bahia) ao lado de Pelé (pela Seleção)
    Foto: Arquivo Pessoal/ Elizeu Godoy

 

Poucos são aqueles que podem dizer que jogaram com e contra Edson Arantes do Nascimento, o Rei do Futebol, Pelé. O ex-jogador do Santos e do Bahia, o paulista naturalizado baiano Elizeu Godoy é um deles. Para celebrar os 85 anos de nascimento do maior jogador de futebol da história, o bahia.ba bateu um papo com seu ex-colega, que compartilhou grandes histórias vividas ao seu lado.

O meio-campista começou como juvenil do Santos, em 1960, quando Pelé já estava na ativa. Elizeu partiu das divisões de base do clube e, em 1963, foi convocado para a seleção paulista de juniores, cujo treinador era Aymoré Moreira (1912 – 1998), que tinha sido campeão mundial em 1962.

Primeiro encontro

Em 1964, foi convocado para a seleção brasileira olímpica, que jogou nas Olimpíadas de Tóquio, no Japão. “O Pelé já estava no Santos. Ele já era uma estrela na época, tinha sido campeão mundial em 1958 e 1962. Ele sempre nos apoiava muito, os jogadores da base”, iniciou Elizeu.

“Quando voltei do Japão, passei a conviver mais com os jogadores do Santos, porque comecei a excursionar com o time para a Europa e para os Estados Unidos. O Pelé sempre foi um cara que nos deu muita força, sempre muito entrosado com a gente. Tive uma convivência muito boa com ele durante todos esses anos no clube. Depois joguei no Fluminense, no Rio, e no Bahia, mas mantive uma convivência muito salutar com ele em várias excursões do time santista”, contou.

A convivência salutar no âmbito pessoal dava lugar à emoção completa ao entrar em campo junto do eterno camisa 10 da seleção brasileira. Para Godoy, a emoção foi se tornando algo habitual no dia a dia. “Mas quando eu jogava com o Pelé, e foram inúmeras vezes com o Santos, ele fazia coisas que ninguém faz até hoje”, expressou.

“Quando falam em fazer qualquer paralelo com o Pelé, não existe comparação. Entre os grandes jogadores do mundo, sinceramente, nunca vi ninguém fazer o que ele fazia dentro de campo. A coordenação que ele tinha, o controle total dos movimentos, a velocidade, a percepção da jogada. Ele clareava uma jogada que poderia estar confusa no jogo e a fazia ficar nítida”, relembrou.

Segundo o meio-campista, se tratava de uma união de impulsão, velocidade, força e técnica. “Foi um jogador que, quanto mais a gente fala, mais descobre qualidades excepcionais. Tanto que até hoje é considerado o maior jogador do século XX”, completou.

“Quando você fala em Messi, em outros craques, cada um tem uma característica só. O Messi tem uma, o Rivelino, o Tostão, mas o Pelé tinha várias. Ele tinha praticamente zero de gordura corporal, uma visão periférica incrível, via o jogador vindo por trás dele, muito além do que qualquer outro conseguiria perceber. Ele nasceu para jogar futebol”, relatou o ex-jogador.

Para além das quatro linhas, Elizeu nos contou que o atacante foi um “amigo maravilhoso”, tendo convivido diversas vezes em quartos de hotel, batendo papo e vendo o jogador orientar, principalmente, os jogadores da base.

“Eu, por exemplo, fui o primeiro jogador do Santos a ser convocado para uma seleção olímpica brasileira. Naquela época, só podiam jogar atletas abaixo de 20 anos, 17, 18, 19. Hoje podem jogar dois ou três acima dessa idade, mas antes não podia. Tanto é que o Pelé, com 17 anos, nunca jogou na seleção olímpica. Ele foi direto para a principal e acabou sendo o que foi, essa coisa fantástica que é. Tanto que é chamado de Rei”, pontuou.

Impacto internacional

Um dos momentos relembrados pelo também comentarista esportivo foi a vez em que Pelé foi jogar em Lagos, na Nigéria, pelo Santos, durante a Guerra Civil do país africano, em 1969, e relatos apontam que houve um temporário cessar-fogo, para que todos pudessem assistir ao espetáculo futebolístico que daria lugar.

Historicamente, há discussões se realmente o episódio se deu dessa forma, mas o jogo, de fato, ocorreu, onde o clube paulista venceu a seleção local por 2 a 1, com gols de Pelé e Edu.

“O Pelé chegou a interromper uma guerra na África. Estava acontecendo um conflito, mas o pessoal parou porque o Santos ia jogar lá. A guerra só recomeçou depois que o time foi embora”, contou Elizeu, que também presenciou um momento icônico na Colômbia, ao lado do Rei.

“Uma vez jogamos uma partida em Bogotá, na altitude, e teve uma confusão muito grande. Acho que foi Santos, se não me engano, contra o Medellín. Aí, durante o jogo, teve uma briga, todo mundo se envolveu, e acabamos indo para a delegacia. Mas, quando chegamos lá, os policiais queriam autógrafos do Pelé. Para você ver a majestade que ele era”, relembrou.

Elizeu Godoy defendendo o Bahia

 

O milésimo gol que não aconteceu na Fonte Nova

Um dos fatos mais curiosos relacionados a Pelé remete diretamente ao Esporte Clube Bahia. O milésimo gol do atacante quase aconteceu jogando contra o clube baiano, em 16 de novembro de 1969, durante o campeonato da Taça de Prata. Mas para contar essa história, é melhor que o próprio Elizeu faça as honras.

“Joguei essa partida. O jogo foi 1×1. Nós estávamos ganhando de 1×0, comigo jogando pelo Bahia, e o Baiaco fez o nosso gol. Depois, o Santos empatou com Jair Bala”, diz Elizeu, no toque inicial da resposta.

“Esse jogo foi o episódio do milésimo gol, que acabou não acontecendo, onde aconteceu aquele lance em que o Nildon ‘Birro Doido’ tirou a bola quase dentro do gol, depois que o Pelé driblou o Jurandir, nosso goleiro. Eu estava muito perto do lance, vi tudo de perto. Nildon, que era zagueiro, tirou a bola praticamente em cima da linha”, finalizando a jogada.

Também há uma lenda urbana envolvendo esse episódio, em que é acreditado que a torcida do Bahia vaiou o time por ter impedido o milésimo gol de Pelé acontecer, que Elizeu desmente de prontidão.

“Não é verdade. A torcida do Bahia jamais vaiaria o time. Se aquele gol tivesse sido em Salvador, o Bahia ficaria marcado na história para sempre. Mas como o milésimo foi no Maracanã, acabou ficando com o Santos. Se fosse aqui, até hoje estariam dizendo: ‘O gol mil do Pelé foi na Fonte Nova’. E eu joguei neste dia”, garantiu o meio-campista.

Outro momento marcante foi o dia em que o Bahia enfrentou a Seleção Brasileira, com Pelé em campo, em 1969, em um amistoso preparativo para a Copa do Mundo do México de 1970, em que o clube perdeu de 4 a 0.

“Também estive nesse jogo. Clodoaldo, que estava na Seleção, inclusive, era meu amigo de infância lá de Santos. O Pelé jogou aqui naquela época. Antes disso, a Seleção Baiana costumava enfrentar a Seleção Paulista, e o Pelé jogava pela paulista. Antigamente tinha esses torneios de seleções, como Bahia, Pernambuco, São Paulo, não existia ainda o Campeonato Brasileiro”, relembrou.

Maior memória ao lado do Rei

Elizeu Godoy, parte viva da história do futebol brasileiro, relembrou também um momento descontraído em que viveu ao lado do seu ex-colega de chuteira, que aconteceu em Zurique.

“Nós fomos jogar contra a Seleção da Suíça. Perdemos aquele jogo, acho que foi 5 a 4, e o treinador disse: ‘Hoje ninguém sai do hotel!’. O Santos jogava muito contra seleções nacionais, não só contra clubes. Aí o Pelé se levantou e disse: ‘Olha, quem não vai sair é você. Eu já estou saindo!’. Foi engraçado demais. Me lembro disso como se fosse hoje”, disse rindo.

Também aproveitou o momento para relembrar alguns conselhos profissionais que recebeu de Pelé e o marcaram como jogador. “Minha característica de jogo era o lançamento, e ele me dizia: ‘Não lance a bola perto da área. Lança aqui, mais perto de você, que eu vou e volto pra buscar’.”

“Ele queria sempre receber a bola de frente para o adversário, porque assim levava vantagem. Era um ponta de arrancada, tinha muita velocidade. Quando recebia de costas, geralmente o zagueiro usava muita violência contra ele. Então ele me explicava isso: ‘Não lance lá na frente, lance aqui perto. Eu vou e volto pra receber’. Você vê a percepção que ele tinha do jogo. Sabia exatamente como aproveitar cada lance”, ressaltou.

“Quando ele pulava, a cintura dele chegava quase na altura da cabeça do adversário, de tanta impulsão que tinha. E velocidade também, era muito rápido. Tinha que travar na marcação, porque, quando você marcava o Pelé, acabava passando da bola. O marcador não tinha a mesma percepção de parar no momento exato em que ele parava. Eu vi o Pelé fazer coisas dentro de campo que são difíceis até de descrever”, concluiu Elizeu Godoy.

Vídeo: Reprodução/@Fredchamechame

João Lucas Dantas
Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba. DRT: 7543/BA

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