Eles ensinam e inspiram: o significado de ter professores pretos na escola
Professores e alunos conversaram com o bahia.ba e destacaram os impactos da representatividade preta em sala de aula

A presença de professores pretos nas salas de aula ainda é um desafio no Brasil, mas representa um passo essencial para a inclusão e a valorização da diversidade. Além de transmitir conhecimento, esses educadores atuam como referência para estudantes negros, fortalecendo a autoestima e combatendo estereótipos que historicamente marginalizam a população negra.
A representatividade na educação é, portanto, mais do que simbólica: é uma ferramenta de transformação social. E em comemoração ao Dia dos Professores, celebrado nesta quarta-feira (15), o bahia.ba ouviu personagens importantes e envolvidos diretamente neste tema.
O professor de matemática, Anderson Gabriel, de 35 anos, explicou como a presença de professores pretos influencia a construção da identidade dos estudantes negros. O docente afirmou que quando um estudante se vê representado no espaço escolar, que historicamente foi negado a corpos como o nosso, “ele passa a perceber que também pode ocupar lugares de destaque e de produção de conhecimento”.
“Isso fortalece o sentimento de pertencimento e rompe com a ideia de que certos espaços não nos pertencem”, disse Anderson.
O profissional destacou que sua atuação na sala de aula vai além de ensinar matemática e é encarada também um ato político e simbólico.
“O simples fato de estar ali, ensinando, dialogando e ocupando esse espaço, mostra aos meus alunos que é possível trilhar caminhos de sucesso e reconhecimento sem abrir mão da nossa identidade. É sobre fazer com que o estudante negro olhe e pense: eu também posso estar ali, eu também posso ser referência. Por isso, a representatividade é essencial”, garantiu.

Para o docente, os principais desafios enfrentados por professores pretos no ambiente escolar, traz enfrentamentos diários que não podem ser romantizados.
“O racismo estrutural ainda nega às pessoas pretas o lugar de produtoras de conhecimento, e isso se reflete em sala de aula: muitas vezes, até o estudante negro tem dificuldade em reconhecer a autoridade e a competência do professor preto”, contou.
O educador afirma que é necessário provar constantemente sua capacidade, enquanto lida com ambientes escolares que, se não forem antirracistas, acabam nos adoecendo.
“Por isso, é fundamental que a escola assuma uma postura ativa contra o racismo e reconheça a importância da nossa presença, não como exceção, mas como parte essencial da construção de uma educação mais justa e representativa”, enfatizou.
Pós-graduado em Metodologias do ensino de matemática e mestre em educação, ele entende que a representatividade negra no corpo docente é fundamental para a construção de uma educação verdadeiramente antirracista.
“Quando temos professores negros ocupando espaços de produção e transmissão de conhecimento, estamos afirmando que pessoas pretas também são intelectuais, pesquisadores e referências”, pontuou.
A falta de representatividade de professores pretos enquanto estudante fez com que Anderson não se enxergasse como um intelectual. Para ele, devido a essa ausência de representatividade fazia ele se questionasse sobre até onde poderia chegar.
No campo de atuação e na posição de liderança, como professor e pesquisador da área de educação, matemático compreendeu o quanto é transformador para os estudantes negros verem alguém que se parece com eles nesse papel.
“Ter professores negros nas universidades, nas escolas e em cargos de liderança é essencial para romper com o racismo estrutural e ampliar as possibilidades de futuro para nossos jovens. A representatividade importa, porque ela inspira e fortalece identidades”, explicou.
Ao ser questionado sobre quais os impactos simbólicos e práticos a ausência de professores pretos gera na formação dos estudantes, ele afirmou que a ausência docentes pretos no ambiente escolar reforça a invisibilidade dessas pessoas, o que potencializa o próprio racismo estrutural que atravessa a sociedade.
O jovem educador utilizou a filosofia africana “Ubuntu – eu sou porque nós somos”, para explicar como lida com os desafios na sala de aula. Nesse aspecto, a identidade individual está intrinsecamente ligada à coletividade, significando que o bem-estar de uma pessoa depende do bem-estar de toda a comunidade.
“Cada professor preto que ocupa uma sala de aula abre caminhos coletivos, inspira pertencimento e prova que o conhecimento também é um território possível para nós”, contou.
A importância de professores pretos para os alunos
Para muitos estudantes, ter professores pretos na sala de aula vai além do ensino: é se ver representado. Eles relataram ao portal que esses educadores fortalecem a autoestima, inspiram confiança e mostram que a cor da pele não limita talento ou futuro.
Liz Almeida, estudante de jornalismo, falou sobre essa representatividade. “Acredito que a construção nesse momento. É quando a gente enxerga um professor com um talento tão grande e sabe ensinar e passar o conteúdo para os alunos de uma forma ampla, didática e que nos direciona”, explicou a moradora da Chapada do Rio Vermelho.
“Quando existe um professor preto ali presente, ele mostra que a gente pode chegar cada vez mais longe, que a gente pode chegar onde a gente quiser, que a gente pode pensar que a construção é cada vez mais alto e que o mundo é uma varinha de oportunidades e a gente pode conquistar tudo que a gente quiser”, completou a mulher de 29 anos.

Para ela, a grande dificuldade no ambiente educacional parte da possibilidade de não acreditar que aquela pessoa pode ser aquele profissional, de acreditar que infelizmente, de forma estrutural, o racismo vai estar presente de alguma forma. “Acho que jamais a gente pode julgar o outro só pelo estereotipo ou fisionomia”, lamentou.
Aos 18 anos, a aluna do colégio Sacramentinas, Maria Cecília, compactua da mesma ideia. “Ter um professor preto em uma escola é extremamente necessário e impactante ,pela diversidade que falta em muitas escolas, pela quebra de estereótipos que o corpo docente e estudantil podem ter e pelo enriquecimento cultural que esse professor pode trazer aos seus alunos sobre suas experiências de vida em uma sociedade preconceituosa”, disse a jovem.
Apesar da idade, Maria Cecília entende que ter essa experiência transformadora, “a ajudou a moldar uma autoimagem, por acabar vendo alguém semelhante como eu em uma posição de autoridade em um ambiente educacional”, o que ela classificou como algo raro durante anos.
Questão de pertencimento
Para a assessora pedagógica, Michelle Silva, a importância de professores negros na formação da identidade dos alunos, especialmente dos estudantes negros.
Segundo a profissional, é preciso enxergar o espaço escolar na perspectiva crítica da sua função social, abordada por diversos estudioso e que tem como ideia central, pensar esse espaço como transmissor de valores e normas sociais.
Ela ressaltou que a presença de professores negros, não só na educação básica, mas também ensino superior, não é apenas um ato pedagógico, mas, sobretudo, político de afirmação da negritude.
“Quando uma criança vê um educador que se parece com ela, que ocupa o lugar de autoridade intelectual, além de autoridade afetiva, que já é naturalmente incorporada aos professores, ela vê a possibilidade de se reconhecer como uma potência do ponto de vista de conhecimento”, explicou.

Segundo Michelle, a ausência dessa representatividade reforça a ideia de que não existem teóricos e inventores negros que impactaram as ciências, as linguagens ou matemática. E explica: “Isso produz um impacto profundo na autoestima, no senso de pertencimento e na construção de identidade desses alunos”.
“É de grande importância termos professores negros na formação da identidade desses estudantes, e repito, não só das crianças, mas também de pessoas adultas, quando se refere, por exemplo, à Educação de Jovens e Adultos (EJA) ou nas universidades”, completou.
Perguntada sobre como a falta de representatividade entre os docentes pode influenciar o ambiente escolar e as relações dentro da sala de aula, Michelle utilizou como exemplo outros espaços da sociedade, enfatizando que a escola também é palco de disputas simbólicas.
“Quando não nos ‘enxergamos’ nos ambientes, há uma comunicação silenciosa que define o que é considerado normal e o que é exceção”, pontuou. “Frequentemente, isso nega à negritude nossa intelectualidade e presença em espaços de conhecimento”, continuou.
A assessora utilizou exemplificou o caso de uma professora doutora que passou em 1º lugar em um concurso na Universidade de São Paulo (USP), que não pôde assumir o cargo, pois seus concorrentes, todos brancos, entraram com recurso alegando falta de qualificação e parcialidade da banca.
“Situações assim reforçam a falsa ideia de que não somos produtores de conhecimento ou competentes para determinados espaços”, criticou.
Sobre como garantir mais acolhimento e diversidade entre professores e alunos, Michelle citou três práticas imediatas. O primeiro é a criação de cursos de formação antirracista que atendam a todos os núcleos da escola – professores, alunos, famílias e funcionários – e sejam vivenciados em diferentes formatos, como palestras, workshops e cursos aprofundados.
Em segundo, a profissional explicou que é fundamental adotar uma cultura de contratação de docentes negros. Por fim, Michelle afirmou que é preciso garantir a valorização estética, de linguagem e da expressão cultural desses profissionais.
“Muitas vezes, professores negros que entram com sua identidade visível são forçados a se adequar ao padrão da escola, perdendo elementos de sua negritude. É essencial pensar em estratégias que permitam que esses docentes se sintam representados e valorizados dentro do ambiente escolar”, concluiu.
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