Da indevida tributação de créditos judiciais antes da necessária liquidação
Pretensão fazendária é amplamente afastada pelo Poder Judiciário
Artigo de Trícia Barradas Mello e Karina Gomes Andrade*
Na expectativa de não se submeter a exigências fiscais inidôneas, bem como de reaver valores indevidamente entregues aos cofres públicos, cada vez mais contribuintes recorrem ao Poder Judiciário.
Exemplo marcante desse movimento envolve a chamada “tese do século”, cuja análise culminou em manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que o ICMS não pode compor as bases de cálculo do PIS e da COFINS.
Ainda mais recentemente, a Corte Suprema esclareceu que o ICMS a ser excluído do cômputo das referidas contribuições é aquele destacado em Notas Fiscais, e não aquele recolhido aos cofres públicos estaduais após o confronto entre débitos e créditos escriturais do imposto, garantindo aos contribuintes a recuperação de indébitos tributários muito superiores àqueles que seriam gerados caso adotada a segunda tese, que vinha sendo defendida com grande afinco pelas autoridades fiscais, na tentativa de reduzir o impacto orçamentário da decisão.
Ocorre que os contribuintes que contestam judicialmente a exigência fiscal objeto da tese acima retratada, bem como tantas outras cobranças indevidas que lhe são dirigidas pelas autoridades fazendárias, além de não raro enfrentar uma verdadeira “via crucis” processual para obter o reconhecimento do direito que lhes assiste e, assim, finalmente buscar a recuperação de valores eventualmente arrecadados a maior, ficam sujeitos, ainda, a investidas da Receita Federal do Brasil (RFB) no sentido de submeter dito indébito à tributação pelo IRPJ e pela CSLL sem que a sua efetiva extensão sequer tenha sido delimitada. Explicamos:
Após obter êxito em sede de medida judicial que declara a inconstitucionalidade e/ou ilegalidade de determinada exigência fiscal, cabe ao contribuinte eleger a modalidade pela qual pretende buscar a recuperação de valores indevidamente entregues aos cofres públicos a este título.
Caso opte por reaver tais importâncias mediante compensação administrativa, deverá apresentar, na própria ação, declaração de inexecução do julgado definitivo ali conformado, como meio de viabilizar a habilitação do crédito perante as autoridades administrativas e posterior emprego em encontros de contas voltados à extinção de débitos próprios relativos a tributos administrados pela RFB.
No particular, note-se que a própria legislação de regência ressalva que o deferimento da habilitação não representa o reconhecimento fazendário do indébito a que o particular afirma fazer jus, conforme expressamente ressalvado pela própria normatização de regência.
Com efeito, a extensão do direito creditório pleiteado somente será avaliada pela RFB quando apreciar os procedimentos compensatórios em que empregado, homologando-os até o limite que reputar disponível.
Assim, é possível afirmar que fica postergada para este momento a liquidação do crédito reconhecido em decisão judicial transitada em julgado e cuja recuperação se dê mediante compensação administrativa.
Como consequência dessas particularidades, conclui-se que a disponibilidade econômica ou jurídica do indébito tributário judicialmente reconhecido somente estará sedimentada no momento da homologação dos encontros de contas, ou ainda após o decurso do prazo dado ao ente fazendário para tanto (homologação tácita).
Antes de um destes eventos, portanto, não há como autorizar seja gravado pelo IRPJ e pela CSLL, cuja incidência não se dá como o mero reconhecimento contábil de crédito a reaver, demandando que se verifique a disponibilidade acima retratada, conforme legislação de regência, e que somente se perfectibiliza a partir da confirmação do montante pela própria RFB.
Ocorre que, alheio a estes parâmetros, o ente fazendário tem posicionamento formalizado no sentido de que o crédito reconhecido judicialmente constitui receita sujeita aos aludidos tributos já no momento do trânsito em julgado da respectiva decisão, consoante formalizado no bojo da Solução de Consulta SRRF/10ªRF/DISIT nº 233/2007.
Tal pretensão representa inegável ofensa a uma série de normas constitucionais e legais, quais sejam, art. 153, III, da CF/88, art. 43 do Código Tributário Nacional (CTN), princípio da capacidade contributiva estampado no art. 145, § 1º da Lei Maior, além de representar inobservância às especificidades que regem os procedimentos de compensação, previstos no art. 74 da Lei nº 9.430/96 e atualmente regulamentados pela Instrução Normativa RFB nº 1.717/2017.
Além disto, é inegável o nefasto efeito caixa que sua implementação acarreta, obrigando o particular a promover imediato desembolso de recursos como forma de atender uma investida tributária que haveria de ser paulatina, inclusive como forma de conferir confiabilidade à base de incidência.
Nesse cenário, muitos contribuintes detentores de créditos oriundos de decisões judiciais definitivas que reconhecem a existência de indébito a recuperar têm retornado ao Poder Judiciário, desta feita com o propósito de ver reconhecido que apenas oferecer tais créditos à tributação pelo IRPJ e pela CSLL, na medida em que homologadas as Declarações de Compensação nas quais empregados.
A investida se mostra tão mais relevante quanto maiores forem os montantes envolvidos, como se verifica, corriqueiramente, no que diz respeito aos indébitos tributários oriundos de decisões judiciais que reconhecem a impossibilidade de o ICMS compor as bases de cálculo do PIS e da COFINS, não raro bastante expressivos, como sinalizado no introito, cabendo observar que vem contando com acolhida jurisprudencial, inclusive em sede de provimentos liminares que determinam a suspensão das exigências em debate, um dos quais, inclusive, obtido em processo conduzido pelo nosso escritório.
*Trícia Barradas, advogada formada em 2004 pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, com experiência em consultoria e contencioso tributário desde 2002.
*Karina Gomes Andrade, advogada formada em 2001 pela Universidade Salvador – UNIFACS, pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, mestre em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição, com experiência em consultoria e contencioso tributário desde 2000.
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