Justiça nega validade a artigo de lei por afronta à Constituição Federal e Direitos Humanos
Norma legal afastada permitia a continuidade da ação penal por crime de lavagem de dinheiro
O Juízo da 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária da Bahia declarou a inconstitucionalidade incidental do art. 2º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998, em razão da sua contrariedade à Constituição Federal e à Convenção Interamericana de Direitos Humanos. A decisão foi proferida pelo juiz federal Fábio Moreira Ramiro, titular da 2ª Vara da SJBA, no dia 18 de março, e teve origem após ação penal proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) contra quatro acusados pela prática dos delitos tipificados no art. 317, § 1º, do Código Penal, e no art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/1998 c/c art. 29 do CP (crimes de corrupção e de lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores).
O pedido de reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 2º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998 foi realizado em prol de duas das acusadas, revéis, após serem citadas por edital. O artigo prevê que: “No processo por crime previsto nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), devendo o acusado que não comparecer nem constituir advogado ser citado por edital, prosseguindo o feito até o julgamento, com a nomeação de defensor dativo.”
No caso, o fundamento em que se apoiou a pretensão de inconstitucionalidade deduzida pela Defensoria Pública da União (DPU) residiu, essencialmente, na alegação de que o art. 2º, §2º, da Lei nº 9.613/1998, seria contrário ao art. 8, “b”, “c” e “d”, do Pacto de San José da Costa Rica.
Nas alegações do MPF, o art. 2º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998, não estaria eivado de qualquer inconstitucionalidade, na medida em que lei especial deve prevalecer sobre lei geral; a opção do legislador em adotar procedimento diverso se justificaria em face da gravidade e da natureza dos delitos de lavagem de dinheiro e ainda que não existiria violação à Convenção Interamericana de Direitos Humanos, ao contraditório e a ampla defesa em razão da defesa do acusado estar resguardada mediante a nomeação de defensor dativo.
Ao analisar o caso, o juiz federal Fábio Moreira Ramiro, primeiramente, rememorou que o controle difuso de constitucionalidade consiste em instituto jurídico voltado para garantir o respeito à supremacia da Constituição, por meio de um controle atribuído aos órgãos do Poder Judiciário.
Sobre a alegação do MPF de que a lei especial deve prevalecer sobre a lei geral, o magistrado contextualizou que conforme entendimento adotado pelo STF, no julgamento do RE 466.343-SP, reiterado no HC 90.172-SP, os tratados que versam sobre direitos humanos, aprovados antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, possuem status de norma supralegal, ou seja, situam-se abaixo da Constituição, mas acima das leis ordinárias, sendo exatamente o caso do Pacto de San José da Costa Rica, que entrou em vigor no Brasil em 25 de setembro de 1992, com a promulgação do Decreto nº 678/1992, e que, portanto, não há como prosperar a tese ministerial relativa à aplicação de lei especial sobre lei geral.
No seu entendimento, a partir da leitura do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988 e do art. 8 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, é forçosa a conclusão de que há evidente contradição entre o art. 2º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998 e o Pacto de San José da Costa Rica, já que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos assegura ao acusado o direito de ser ouvido na apuração de qualquer processo penal formulado contra si, o que, efetivamente, não ocorreu, pois no presente caso em que a citação se deu por edital, não está sendo assegurada às acusadas a oportunidade de estarem ao lado do seu defensor, assim como de acompanhar os atos da instrução processual.
Desse modo, durante a instrução criminal, podem ser prestadas declarações cuja falsidade ou incorreção apenas as acusadas poderiam vir a detectar. Diante disso, verifica-se que foge a qualquer esfera de razoabilidade sustentar que não haveria violação à ampla defesa e ao contraditório das acusadas caso o processo siga mesmo após a sua citação por edital.
Assim, na decisão, o juiz federal Fábio Moreira Ramiro declarou a inconstitucionalidade incidental do art. 2º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998, em razão da sua contrariedade à Constituição Federal e à Convenção Interamericana de Direitos Humanos, e, por via de consequência, determinou a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, na forma do art. 366 do CPP, com a adoção das providências necessárias ao desmembramento do feito no que se refere, exclusivamente, a dois dos quatro acusados na ação.
“É preciso ressaltar, por outro lado, que a decretação da inconstitucionalidade do art.2º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998, não deve ser compreendida como obstáculo à atuação dos órgãos de persecução ou a eventual punição de um indivíduo acusado de lavagem de capitais. Primeiro, porque o próprio art. 366 do CPP possibilita que o magistrado determine a produção antecipada de provas consideradas urgentes, além de autorizar a decretação da prisão preventiva, desde que presente uma das hipóteses elencadas nos arts. 312 e 313 do CPP. Segundo, o magistrado também pode determinar a execução de medidas cautelares, como a busca e apreensão e o sequestro de bens, direitos e valores do acusado ou existentes em seu nome (art. 4º da Lei n. 9.613/1998)”, destacou o juiz federal titular da 2ª Vara, Fábio Ramiro.
Mais notícias
-
Justiça
16h34 de 28 de março de 2024
Alexandre de Moraes autoriza soltura de coronéis da PMDF presos pelo 8/1
Os coronéis Klepter Rosa e Fábio Augusto Vieira obtiveram decisão favorável para deixar a prisão e usar tornozeleira
-
Justiça
15h30 de 28 de março de 2024
Transparência salarial na mira da Justiça: empresas têm até dia 31 para mostrar dados
Empresas alegam que divulgar remuneração de funcionários na internet pode infringir LGPD e enfraquecer concorrência
-
Justiça
11h48 de 28 de março de 2024
A pedido de Nunes Marques, PGR requer acesso a arquivos com ameaças de Bivar a Rueda
O ministro do Supremo pediu vistas porque a petição recebida pela Corte não continha as fotos e áudios com as supostas ameaças
-
Justiça
08h28 de 28 de março de 2024
Daniel Alves se apresenta pela primeira vez à Justiça após ser solto
Jogador foi condenado a quatro anos e meio de prisão por estupro em Barcelona
-
Justiça
19h00 de 27 de março de 2024
Advogada baiana é destaque em publicação nacional
O reconhecimento é da Análise Advocacia Mulher
-
Justiça
17h39 de 27 de março de 2024
Tribunal de Justiça suspende liminar que barrava licitação do VLT do Subúrbio
Decisão foi publicada na tarde desta quarta-feira (27)
-
Justiça
21h46 de 26 de março de 2024
Justiça barra suspensão de plano de recuperação das Americanas
O recurso ainda será submetido para julgamento colegiado pelo Tribunal de Justiça
-
Justiça
12h26 de 26 de março de 2024
STF derruba carência para autônoma receber salário-maternidade do INSS
Agora, vale regra aplicada a trabalhadoras formais, cobertas pela CLT
-
Justiça
07h41 de 26 de março de 2024
MP aciona Assaí por irregularidades sanitárias em loja na Calçada, em Salvador
Vigilância Sanitária detectou problemas como higienização inadequada de balcões de vendas e açougue, produtos sem preço e sem informação sobre o prazo de validade
-
Justiça
07h17 de 26 de março de 2024
Conselho Federal da OAB diz que PL que acaba com ‘saidinha’ de presos é inconstitucional
OAB promete recorrer ao STF, caso o presidente Lula sancione o projeto aprovado no Congresso