Liliana Peixinho é jornalista, ativista social, integrante de diversos grupos de luta e defesa de direitos humanos. Fundadora e coordenadora de mídias livres como: Reaja – Rede Ativista de Jornalismo e Ambiente, Mídia Orgânica, O Outro no Eu, Catadora de Sonhos, Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente, RAMA -Rede de Articulação e Mobilização em Comunicação.
Foro privilegiado, até quando?
Somos todos iguais perante a lei, o que não impede que alguns gozem de maiores privilégios que outros
Num país onde a impunidade alimenta a superlotação de cadeias desumanas, em prisões sem direito a julgamentos, com desiguldades visíveis, em históricos vergonhosos de negação de direitos, denunciados por instituições internacionais, mundo afora, como aceitar, em exemplo real, que uma avó, idosa, sem condições financeiras nenhuma, possa ser presa por não pagar pensão para a mãe do neto? E, por outro lado, como entender que se aceite que um deputado, ministro, presidente da República possa ter o direito de não ser investigado por suspeição de crimes, sob os mesmos princípios legais aplicados no caso da avó, cidadã comum? Que princípio é esse que discrimina quem não tem acesso a políticas públicas básicas, e privilegia quem tem acesso a direitos, em excesso, desnivelando oportunidades?
Diante de tanta “improbidade administrativa”, manifestações públicas em liberdade de expressão, clamor generalizado por democracia, anseios por justiça nas ruas, o uso do “foro privilegiado” não estaria mais a alimentar a impunidade de autoridades, que abusam dessa prerrogativa, que a defender pilares de sustentação da ordem estatal da federação brasileira: República, Democracia e Estado de Direito ?
“A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”. A fala do juiz Sérgio Moro foi amplamente compartilhada Brasil afora, em meio a surpresas sobre a quebra de sigilo das gravações de conversas do ex-presidente Lula, sem foro privilegiado, numa decisão legal, segundo especialistas, e em ambiente histórico de combate à corrupção no Brasil. Não seria essa uma boa oportunidade para mudar essa prerrogativa e, quem sabe, construir um Brasil Limpo? Conforme informações do site Jus Brasil “na República, nenhuma pessoa é proprietária, dona de poder, e todos os que exercem cargos públicos devem ser considerados como funcionários, servidores do bem comum”, ou seja, empregado do povo, que é quem paga impostos que alimentam a máquina administrativa. Certo? O que vemos, na prática, entretanto, não é o cumprimento das leis.
A sociedade lamenta que muitos privilégios
continuem ocorrendo no Brasil
O artigo 5º, XXXVII, da Constituição do Brasil de 1988, diz que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. Mas, embora aprovada em ambiente de muita mobilização popular, e considerada a mais democrática de todas as constituições brasileiras, a Carta “não previu, expressamente, a vedação do foro privilegiado”. São antigos os questionamentos sobre o fundamento constitucional do “foro privilegiado, enquanto benefício para autoridades da administração pública, em todos os poderes”. Regalia vai na contramão do princípio constitucional da igualdade. E produz, segundo estudiosos, “injustiças jurídicas e sociais, através da prescrição de processos”, por exemplo.
Estudos sobre foro privilegiado e crimes comuns resgatam histórias absurdas, à luz do tempo atual, como a de que em Portugal, por exemplo, no dia 11 de janeiro de 1603, começou a vigorar as “Ordenações Filipinas”, lei altamente reacionária e preconceituosa que vigorou no Brasil até o Código Civil de 1916. O livro V, Título XXXVIII dessa lei diz que: ”se o marido flagrasse sua mulher em adultério, poderia licitamente matá-la, como ao adúltero”. Mas, imaginem, esse direito “não era extensivo ao marido se este fosse peão ou se o adúltero fosse um fidalgo ou desembargador”. E tem mais: “Se o marido traído matasse alguma dessas autoridades que estava copulando com sua esposa, não receberia pena de morte por isso, seria degredado para a África”.
Séculos se passaram, leis de modernizaram, e a sociedade ainda está a lamentar que muitos privilégios e discriminações continuem ocorrendo no Brasil. Em constantes visitas de coletivos de defesa de direitos humanos a presídios, país afora, observa-se perfis sobre as pessoas presas: nível cultural, social, econômico, a cor, a idade, que tipo de crime cometeu, porque ainda não foram julgadas. As justiticativas são sempre as mesmas: falta de recursos de toda ordem, do financeiro, ao de pessoal capacitado. Nessas cadeias não se encontram políticos, doutores, autoridades, empresários… e até antes do ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente, adultos maiores se espremiam com menores de 18 anos, no mesmo espaço. Se todos somos iguais perante a lei, por que ainda existe foro privilegiado?
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