Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Teatro de vampiros
Já que quase todos roubam em nome dos fins justificadores dos meios, então vamos votar nos que roubam da forma mais discreta possível
Desde que, em meio a acusações mútuas de chantagem, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a discussão do assunto se tornou inevitável, pois, além de ter dominado por completo a grande mídia e as redes sociais, eclipsou outros assuntos de importância nacional – como a tragédia do Rio Doce, a epidemia de microcefalia e as crises hídrica e energética – e internacional, a exemplo da luta contra o terrorismo e os atentados patrocinados pelo Estado Islâmico.
Infelizmente, com toda a pirotecnia política que cerca o episódio, com a oposição exacerbando, os governistas minimizando, parte da mídia desinformando e o cultural alheamento do eleitorado brasileiro complicando, é natural que muitos desconheçam que o pedido de impeachment da presidente da República tem por fundamento apenas crimes fiscais cometidos por ela em 2014 e no segundo mandato, sem que haja acusações de corrupção, posto que desconsideradas quaisquer possíveis hipóteses de crimes comissivos por omissão, onde o não fazer tem o mesmo valor de fazer, em relação aos comportamentos no mínimo, “robin-hoodianos” dos seus companheiros de partido e/ou seus aliados.
“Não há nada de novo debaixo do Sol”, diz a Bíblia. E um exemplo claro disso é que é fato sabido que a corrupção sempre imperou no Brasil. Assim, não é necessário ser um cientista político para saber que o Brasil sempre foi manchado pelos desmandos dos políticos, portanto muito justo o argumento defensivo governista de que não foi o Partido dos Trabalhadores que inventou a corrupção.
Nessa lógica, não comungo da frustração de boa parte da nação pelo fato de a presidente Dilma não responder processo de impeachment por algo que diga respeito a todas as denúncias de corrupção que povoam a imprensa e os debates políticos, nos últimos meses. Para ser sincero, penso serem desnecessárias todas essas polêmicas sobre quem está chantageando quem em meio a todas essas questões. Afinal, apesar de ácidas, estão corretas as afirmações de que “entre ladrões é ético roubar” e que “entre políticos é ético achacar e chantagear”.
Como sou daqueles que acreditam que “o poder não corrompe, revela”, nestas minhas reflexões sobre ética na política, lembrei-me da canção de Renato Russo, “Teatro dos Vampiros”, inspirada na obra da escritora estadunidense Anne Rice, pois no livro, “Entrevista com o Vampiro”, há um teatro parisiense onde vampiros fingiam ser atores que fingiam ser vampiros, ante uma plateia que aparentemente nunca desconfiou de nada.
Seria cômico se não fosse dramático, mas, embora errar seja humano, acredito piamente que a maioria dos eleitores brasileiros que votou no PT nas últimas eleições, não errou. Pode até ter sido, em parte, iludida por aqueles que, sendo desonestos, fingiam ser honestos para continuarem sendo desonestos, como a plateia do teatro de vampiros parisiense, mas não errou, pois era a única chance da esquerda chegar ao poder e, cá entre nós, não poderia prever que o que se revelaria, agora, aos povos, com o rei Lula, a rainha Dilma e o séquito petista, despidos daquele tênue véu vestáltico que durante muito tempo os cobriu, surpreenderia a todos, não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio.
Infelizmente, entre nós, a ação imoral e antiética de políticos e autoridades não parece ser suficiente para que os eleitores os defenestrem nas urnas. Mesmo assim, embora entre ladrões seja ético roubar, não podemos perder a esperança de que um dia tal comportamento seja considerado inaceitável e passível de julgamento (e de punição) imparcial, sob o império da lei.
É isto ou corremos o risco de chegarmos à conclusão de que o melhor é a oficialização do “rouba, mas faz” ou do “rouba, mas distribui com os pobres”, pois, já que quase todos roubam, se omitem ou permitem que roubem, em nome dos fins justificadores dos meios, então vamos votar nos que sabem roubar melhor e da forma mais discreta possível para não nos escandalizarmos. Afinal, já não somos mais uma plateia inocente neste Teatro de Vampiros em que se transformou a política brasileira.
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