Publicado em 17/12/2015 às 18h06.

Praça das Mãos: ato protesta contra suposta ‘limpeza étnica’

Prefeitura desocupou área e retirou moradores de rua em pleno Dia Internacional dos Direitos Humanos

Fernando Valverde

A Praça Marechal Deodoro no Comércio, popularmente conhecida como Praça das Mãos, ou o que restou dela, recebeu na tarde desta quinta-feira (17) um ato organizado por um coletivo de organizações e pela comunidade que vive nos arredores do espaço. No último dia 10, ironicamente Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Prefeitura Municipal de Salvador deu início à desocupação da área para a construção de um estacionamento.

Em uma publicação no Facebook intitulada “Cenário de Horror”, um coletivo de organizações que atuam junto a população em situação de rua denunciou, por meio de uma série de fotos, os maus tratos e o despejo dos moradores em situação de rua que habitavam o local. A postagem, que alcançou mais de 200 compartilhamentos na rede social, causou indignação da população: “esse prefeito é um perigo – está gentrificando a cidade inteira. Resistir é preciso”, desabafou a internauta Silvia Jura. Já o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Marco José Duarte comparou a medida com a gestão pública de outros estados: “Foi assim no Rio, com internação compulsória (forçada e massificada) e o higienismo da cidade. Eis a repressão como estratégia de tratamento e cuidado dos podres poderes à cidade.”

O Ato – Organizados pela rede social, representantes de movimentos sociais e moradores da comunidade reuniram-se na praça pelo ato público “Ocupa Praçdas Mãos!”. A ouvidora da Defensoria Vilma Reis, que estava presente no local, foi categórica: “O prefeito não é dono da praça. Ele não tem o direito de fazer isso com a população que vive e trabalha aqui”. Enquanto o protesto ocorria, vários carros já ocupavam uma área da praça, previamente ocupada por quiosques e barracas.

Carros já ocupam espaço onde ficavam quiosques (Foto: Juliana Dias / bahia.ba)
Carros já ocupam espaço onde ficavam quiosques (Foto: Juliana Dias / bahia.ba)

Um jovem que vive na região e não quis se identificar, contou ao bahia.ba que estava dormindo no momento em que a Guarda Municipal chegou para efetuar o despejo. “Eu tava dormindo quando eles já chegaram batendo, me dando tapas e pontapés. Eles queriam levar meu colchão que eu durmo. É assim que eles cuidam da gente. Eu só queria saber, se acabar a praça, qual a saída pra nós que vivemos nela ?”, indagou.

A mesma pergunta foi feita por Lúcia Menezes, 52, moradora em situação de rua que vive há cinco anos na praça junto com o marido: “Eu não vou sair daqui. Tô aqui há mais de cinco anos com meu marido. Tiramos nosso sustento daqui e moramos aqui. Toda minha vida é nessa praça”.

Dona Lúcia se pergunta qual será o futuro da praça (Foto: Juliana Dias / bahia.ba)
Dona Lúcia se pergunta qual será o futuro da praça (Foto: Juliana Dias / bahia.ba)

Para o vereador Silvio Humberto (PSB-BA), não há diálogo entre os poderes públicos e a população carente. “Essa é a forma como a prefeitura dialoga com as pessoas em situação de rua, sob tapas e pontapés. Para a administração de Salvador é bonito dizer que estamos juntos, quando na prática não estamos nem juntos e nem misturados. Existe um muro entre nós e eles”, condenou o vereador, ao se referir ao que os movimentos sociais têm chamado de desafricanização, termo utilizado para identificar a suposta limpeza étnica que a prefeitura realizaria no centro da cidade.

Na praça, além de comerciantes e pessoas em situação de rua, tem um ponto de Cidadania e do projeto Corra pro abraço, ambos da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, que trabalham e auxiliam as pessoas em situação de rua. “Será que existe mesmo direitos humanos em Salvador? Porque as pessoas que aqui estão são seres humanos e não podem ser tratados com essa violência”, afirmou o técnico de redução de danos do ponto de cidadania, Anselmo Santana. “Novos atos serão marcados e não vamos parar de reivindicar o nosso lugar no espaço público, por mais que eles achem que não, a praça é nossa”, finalizou uma manifestante.

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