Justiça Digital: novos rumos para prática de atos processuais
Artigo de André Godinho
Em sua posse como Presidente do STF e do CNJ, o Ministro Luiz Fux estabeleceu os cinco eixos prioritários de sua gestão: i) Proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; ii) Promoção da estabilidade e do ambiente de negócios para o desenvolvimento nacional; iii) Combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, para recuperação de ativos; iv) Justiça 4.0 e promoção do acesso à justiça digital, e v) Fortalecimento da vocação constitucional do STF.
Especificamente, no que diz respeito ao quarto eixo elencado acima, o CNJ vem se empenhando em regulamentar o tema, dentro de seu papel constitucional de órgão de controle da atuação administrativa e definidor de políticas públicas do Poder Judiciário, com vistas a assegurar que o diálogo entre o mundo real e o universo virtual traduza efetiva justiça, com transparência e efetividade. E para tanto, os diversos atos editados têm sido fruto de intenso debate entre os diversos atores que compõe o sistema de justiça.
Na última sessão virtual, finalizada em 30 de março, o Conselho, em atenção ao pedido inicialmente formulado pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Santa Catarina (OAB/SC) e depois encampado pelo Conselho Federal da OAB, por unanimidade, aprovou a recomendação no sentido de incentivar a “gravação de atos processuais, sejam presenciais ou virtuais, com vistas a alavancar a efetividade dos procedimentos judiciais, por meio do aperfeiçoamento das estruturas de governança, infraestrutura, gestão e uso de procedimentos cibernéticos”.
A provocação ao CNJ foi feita após os incidentes havidos em uma audiência via videoconferência realizada em processo que tramitou no Poder Judiciário de Santa Catarina e que ganhou grande repercussão na mídia. A importância da gravação dos atos judiciais, permite, da melhor forma, a apuração e o esclarecimento, de modo rápido, dos fatos e dos direitos, oportunizando a plena garantia das prerrogativas dos advogados no exercício de seu mister, bem como as garantias dos próprios jurisdicionados.
Vale destacar que, atualmente, como demonstrado ao longo do período de pandemia que estamos ainda enfrentando, os recursos tecnológicos já permitem realização de audiências, sessões e outros atos processuais por meio eletrônico, sendo inclusive disponibilizada pelo CNJ ferramenta específica para tal fim . A gravação, portanto, em tais situações, é apenas a utilização de mais uma funcionalidade já disponível no sistema.
Além disso, oportuno lembrar que, em outubro do ano passado, a fim de assegurar às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, nos termos dispostos no art. 7º do CPC, o CNJ editou a Resolução nº 341/2020, a partir de proposta por nós apresentada, determinando que sejam disponibilizadas salas específicas, em todas as unidades do Poder Judiciário, a fim de permitir a realização de atos processuais, especialmente depoimentos de partes, testemunhas e outros colaboradores da justiça por sistema de videoconferência.
Tal norma busca assegurar a higidez da prova oral produzida, estabelecendo que deverão ser designados servidores para acompanhar a videoconferência na sede da unidade judiciária e que serão responsáveis pela verificação da regularidade do ato; pela garantia, quando for o caso, da incomunicabilidade entre as testemunhas (art. 456, CPC); dentre outras medidas necessárias para realização válida do ato, em observância ao disposto nos artigos 385 a 388 do CPC.
Além dessas medidas, na sessão do último dia 6 de abril foi aprovada Resolução que autoriza a criação dos “Núcleos de Justiça 4.0”. Tal iniciativa tem o escopo de promover o acesso à Justiça Digital, criando um ambiente virtual de tutela jurisdicional efetiva, com o fito de superar as limitações e obstáculos geográficos.
Tais núcleos permitirão o redimensionamento e a reestruturação das unidades jurisdicionais, superando conceitos deveras relacionados ao mundo físico como as ideias de “Comarca”, “Vara” e “Seção Judiciária”, ampliando, inclusive, a competência territorial de magistrados para além dos limites hoje existentes, uma vez que a virtualização de processos e procedimentos permite a distribuição da força de trabalho, que não precisa mais desempenhar sua atividade vinculada a um único local, de modo físico e presencial.
E para advocacia, os “Núcleos de Justiça 4.0” servirão para romper com determinadas dificuldades de atuação, em especial o que diz respeito aos elevados custos de deslocamento para outros municípios ou, até mesmo, Estados, para defesa de seus clientes. Além disso, amplia-se as possibilidades de participação em audiências e sessões em diferentes juízos ou fóruns no mesmo dia, o que hoje, em diversas localidades, é praticamente inviável, em razão dos problemas de trânsito e congestionamentos.
Merece especial destaque no ato normativo recentemente aprovado, a previsão inserta no art. 1º, § 2º, no sentido de que “o interesse do advogado de ser atendido pelo magistrado será devidamente registrado, com dia e hora, por meio eletrônico indicado pelo tribunal e de que a resposta sobre o atendimento deverá, ressalvadas as situações de urgência, ocorrer no prazo de até 48 horas”.
Nas palavras do Ministro Luiz Fux, “a revolucionária criação do “Juízo 100% Digital”, por meio da Resolução CNJ nº 345/2020, consubstanciou uma alteração de paradigma no Poder Judiciário brasileiro, passando a se conceber a Justiça efetivamente como um serviço (“justice as a service”) e não mais como associada a um prédio físico, vulgarmente denominado de Fórum”.
Vivemos um momento de revolução e devemos estar prontos para adaptação a esses novos modelos. Todavia, seguiremos atentos no CNJ para que tais mudanças se traduzam sempre em medidas efetivas para ampliação do acesso à justiça, asseguradas as prerrogativas e garantias para o desempenho de todos os atores do sistema de justiça, refletindo em impactos positivos para toda sociedade.
* André Godinho é conselheiro e ouvidor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
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