Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Greves, motins, revoltas e conspirações
Ao declarar inconstitucional o direito de greve para carreiras policiais, STF equipara servidores das polícias Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal e Civil aos militares
Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve, dispõe a nossa Constituição Federal de 1988. Assim, em nome da soberania, essa regra sempre valeu para os integrantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e, também, para os militares estaduais, bombeiros e policiais militares, que, além de estarem na linha de frente da defesa civil e da segurança pública, integram corporações consideradas forças auxiliares e reservas das Forças Armadas, lastreadas na hierarquia e na disciplina.
Digo que essa regra valia porque, coerentemente com a tradição de um país que, a cada dia, tem uma outra Constituição escrita pela jurisprudência, sobretudo do Supremo Tribunal Federal, desde a última quarta-feira (5), o direito de greve para as carreiras policiais foi declarado inconstitucional e, com esse entendimento, nossa suprema corte, pela via da restrição de direitos, equiparou os servidores da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Ferroviária federal e da Polícia Civil aos militares.
Se, por 7 votos a 3, os ministros entenderam que o direito fundamental da sociedade à segurança deve prevalecer sobre o direito individual dos servidores, ratificando a essencialidade que essas carreiras possuem, bem que poderiam ter estabelecido quais mecanismos efetivos devem ser colocados à disposição dessas categorias profissionais para que sejam remuneradas à altura das suas responsabilidades, garantindo-lhes no mínimo a reposição anual do servidor público, já que não desfrutam das prerrogativas remuneratórias dos magistrados e membros do Ministério Público e não podem recorrer aos movimentos paredistas como forma de pressão.
Como era de se esperar, com o Supremo Tribunal Federal inovando e negando vigência a dispositivos magnos expressos, em lugar de aplicar a Constituição, interpretando-a, o julgamento gerou intensas críticas nos meios jurídico e corporativo. Afinal, a Constituição Federal de 1988 previu o direito de greve na administração pública e estabeleceu que os termos e limites desse direito deveriam ser definidos em lei específica. Tal regulamentação, no entanto, nunca foi feita, numa clara manifestação da falta de vontade política do governo.
Magistrados protagonizam ações normativas que representam uma absorção do jurídico pelo político
Nesse sentido, diversas associações policiais se manifestaram contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), pois, para elas, a greve é o último instrumento de pressão dos trabalhadores durante uma negociação e, sem ela, as corporações policiais ficam fragilizadas. Assim, caso não haja um distensionamento ou um mecanismo que garanta efetiva valorização dos profissionais de segurança pública, o que se afigura por um período muito próximo é um agravamento da crise e um aumento da desmotivação e da apatia que tendem a abranger quase todo o efetivo e minar, como uma ferrugem organizacional, qualquer esforço de racionalização ou qualquer estratégia moderna de policiamento.
É claro que, em um contexto no qual movimentos paredistas, motins, revoltas e conspirações já se tornaram rotina no cotidiano das polícias e corpos de bombeiros militares brasileiros, ante a ausência de uma política que atenda aos anseios dessas categorias profissionais quase sempre tratadas com descaso pelos governantes, não faltou quem visse acerto na decisão do Supremo Tribunal Federal, em função de não ser concebível que uma Instituição policial, civil ou militar, que se destina a cumprir e fazer cumprir as leis, possa desrespeitá-las mesmo sob os mais nobres pretextos.
Nessa lógica, com o sistema político não investindo seriamente na segurança pública e apostando apenas na passividade das hostes policiais e na força dos regramentos disciplinares, penais e constitucionais para fugir das suas responsabilidades, continuaremos a conviver com a insatisfação dos nossos guardiões que, em seu íntimo, estarão em permanente “estado de greve”.
Infelizmente, a decisão do Supremo Tribunal Federal poderá aguçar a sensação de injustiça e desrespeito que esses profissionais, civis e militares, historicamente já provam, mas, como tudo na vida é dual e não raro a consulta à esfinge complica o enigma, a proibição do direito de greve, equiparando as carreiras policiais às carreiras militares, com certeza, também, vai pressionar o governo a ceder ainda mais do que inicialmente feito no projeto de reforma da Previdência, quando retirou apenas os militares federais e estaduais da proposta.
Independentemente do impacto político da decisão do Supremo Tribunal Federal, a respeito das greves dos servidores civis e dos motins, revoltas ou conspirações dos militares, mais uma vez fica claro que, diante da inércia dos governantes e dos parlamentares, os magistrados estão protagonizando ações normativas que, no mínimo, representam uma absorção do jurídico pelo político, colocando em dúvida a própria existência da tripartição dos poderes e a dicotomia Direito e Política.
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