Não é pelo PT nem por Lula
Artigo de Jaciara Santos
Não é pelo PT nem por Lula. É por Papinha (a professora sergipana Maria de Fátima Rocha Nascimento, minha amiga), pela colega jornalista Edna Nolasco, pelo ator Paulo Gustavo, pelo cantor Agnaldo Timóteo, pelo compositor Aldir Blanc, por aquele seu amigo, sua comadre, seu irmão, sua mãe, seu avô e sua avó, seu tio, sua namorada e tantas outras saudades produzidas pelo SARS-CoV-2, o agente causador da Covid-19. É pelas famílias das quase 700 mil pessoas que morreram em consequência dessa doença e que, em vez de solidariedade, receberam do primeiro mandatário do país apenas deboche, desrespeito, desprezo, escárnio.
Não é pelo PT nem por Lula. É por aqueles 125 milhões de brasileiros que, diferentemente de você, não têm a garantia de três refeições diárias. Dados da Rede Penssan – Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional – entidade que reúne pesquisadores de universidade e instituições de todo o país, indicam que o número de pessoas que passam fome no Brasil subiu para 33 milhões, o mesmo patamar de 30 anos atrás. Pare um pouco, feche os olhos e tente lembrar como é a sensação de um estômago vazio. Certamente, em algum procedimento médico, você já experimentou esse desconforto transitório. Agora, imagine o que é sentir isso todos os dias, o tempo todo…
Não é pelo PT nem por Lula. É pela dor de ver os povos originais sendo exterminados, massacrados, vilipendiados, violentados para dar lugar ao extrativismo desenfreado. É pelos indígenas que enfrentam uma guerra diária pela sobrevivência e na qual tragédias como suicídio antes dos 20 anos, morte por emboscadas antes dos 30, falta de terra antes dos 40 e o lento envenenamento por agrotóxicos fazem parte da rotina. É pelos integrantes da comunidade indígena de Prado, município do extremo sul da Bahia, impedidos de exercer o direito ao voto no primeiro turno das eleições deste ano.
Não é pelo PT nem por Lula. É por nós, negros e negras, tratados como pessoas de segunda classe pelo governo que aí está e que nos mede em arrobas, como se animais fôssemos. É pela visão eugenista, segundo a qual somos úteis apenas como mão de obra necessária ao zelo da Casa Grande, desde que saibamos que nosso lugar é na senzala. É para não precisarmos testemunhar um presidente que à pergunta “O que o senhor faria se um de seus filhos casasse com uma mulher negra?” responde que essa hipótese não existe porque seus filhos foram “bem criados”.
Não é pelo PT nem por Lula. É pelos jovens pretos e pardos, pobres, moradores das periferias, de comunidades vistos como bandidos. É pelos moradores do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, taxados de traficantes e de membros do crime organizado pelo presidente da República e seus seguidores.
Não é pelo PT nem por Lula. É pelas mulheres desrespeitadas, agredidas, estupradas, silenciadas, tratadas como seres inferiores. É para não termos que naturalizar frases como “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”. Ou não precisar ouvir que uma mulher não merece ser estuprada por ser feia.
Não é pelo PT nem por Lula. É pelas crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual, prostituídas e alvo da lascívia de um sexagenário que confessa a possibilidade de “pintar um clima” com meninas de 14 anos.
Não é pelo PT nem por Lula. É pelo respeito à diversidade. É pelo reconhecimento a todas as orientações sexuais e identidades de gênero. É jamais precisar ouvir de um pai que é impossível amar um filho homossexual, como declarou em entrevista o presidente Jair Bolsonaro. “Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que (sic) apareça com um bigodudo por aí. Para mim, ele vai ter morrido mesmo”.
Não é pelo PT nem por Lula. É pela paz, pela não violência, pelo desarmamento. Para não termos que continuar chorando mortes evitáveis como a do adolescente Júlio César de Souza Alves, 15 anos, atingido por disparo acidental em uma escola de Sobral-CE, no início deste mês. A arma usada pelo autor, outro adolescente, foi adquirida em mãos de um CAC, sigla que significa colecionador atirador desportivo e caçador. De acordo com o Exército Brasileiro, o número de registros de CACs triplicou a partir de 2019, em comparação aos 15 anos anteriores.
Não é pelo PT nem por Lula. É pelo futuro da Amazônia, o chamado pulmão do planeta, que, em quatro anos da gestão Bolsonaro, registra um desmatamento de 47 mil quilômetros quadrados, segundo o insuspeito Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É pelo respeito à ciência, é pela valorização da cultura, é pela defesa da educação, é pela manutenção da democracia.
Não é pelo PT nem por Lula. É pela segurança do jornalista, pelo fim das agressões físicas e morais a repórteres, fotógrafos e fotógrafas, cinegrafistas e demais profissionais de comunicação praticadas pelo titular da Presidência e seus seguidores, transformando o jornalismo em uma profissão de risco. Com Bolsonaro no poder, os ataques à categoria triplicaram, como atestam dados da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj): de 135 casos, em 2018, passaram a 430 em 2021.
Não é pelo PT nem por Lula, mas e se fosse?… Vivemos um momento crucial. Chegamos a uma encruzilhada. O Brasil precisa, sim, do PT e de Lula. Não existe outro caminho. Não se trata de ideologia. É escolher entre sonho e pesadelo. Entre luz e sombra. Entre democracia e ditadura. Entre vida e morte. Entre liberdade e censura.
Para assegurar a normalidade democrática. Para resgatar o orgulho de viver em um país que zele por seus filhos e suas filhas, independentemente de etnia, classe social, orientação sexual, religião. Para deixar de ter medo, para expurgar o ódio, para ter paz, para amar novamente, para acreditar no futuro. Por tudo isso e contra o desmonte da nação – iniciado naquele fatídico ano de 2016, com a destituição da presidente Dilma Rousseff – o Brasil precisa do PT e de Lula. Para se reconstruir e voltar a ser o país de todos e todas nós.
Jaciara Santos é jornalista
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