Publicado em 03/02/2023 às 12h11.

Quem organiza o maior carnaval do planeta precisa oferecer um tratamento digno à população

Artigo do vereador Silvio Humberto

Redação
Foto: Valdemiro Lopes/Câmara Municipal de Salvador

 

Uma cidade para turista. Essa é Salvador, cidade com maior contingente negro fora do continente africano. De riqueza cultural incontestável, gastronomia atrativa, povo hospitaleiro, expressões, manifestações e sotaque marcantes. Produtora da maior festa popular de rua do mundo, mas que, contraditoriamente, passa longe do quesito valorização da sua gente e, para contextualizar esse fato, temos a situação caótica enfrentada por ambulantes que, em paralelo às imagens belíssimas de praias lotadas na alta estação, são submetidos ao protagonismo da humilhante e inóspita moradia embaixo de viadutos e nos arredores da secretaria responsável pela concessão do licenciamento para trabalhar nas festas populares. Um problema amplamente denunciado pelos meios de comunicação, mas que se arrasta por décadas na soterópolis, cidade de todos os pobres. O motivo? Nada técnico. O que falta mesmo é vontade política solucionar a questão enfrentada majoritariamente por mulheres negras arrimo de família, basta observar as justificativas dadas pelos gestores que, quando cobrados sobre o tema respondem que “a pressão não vai funcionar” e “acham difícil alguém hoje em dia não ter um celular”, como se fosse divertido ou uma simples escolha famílias inteiras passarem uma temporada dormindo embaixo de viadutos e desconsiderando a desigual realidade digital na capital baiana.

Enquanto o povo passa ao vivo e a cores pela vergonhosa situação de descaso e vulnerabilidade, a administração municipal fecha contrato milionário com cervejarias, se dedica a organizar e ordenar festivais, cria esquemas especiais e novos modais de transporte, inclusive com ar-condicionado que até contemplam estacionamento e aguarda a movimentação econômica em torno de R$ 1,8 bilhão na cidade. Tudo isso às custas de quem prepara o acarajé, carrega as malas, compõe as músicas, cria o gênero típico musical, é o principal cartão postal e é a “Alegria da Cidade”: o povo preto, pobre e periférico de Salvador.
Interessante em alguns dias do Novembro Negro, a prefeitura intitular “Salvador Capital Afro. Onde Pulsa Salvador, desperta África”. A julgar pela fila indigna da Semop está mais para capital da afroconveniência. É preciso dar um basta. A indignidade adoece e mata. A prefeitura tem os meios para mudar o tratamento. Quem é uma referência em organizar o maior carnaval do planeta precisa oferecer um tratamento digno aos ambulantes. Resistiremos à reedição do “desafricanizar as ruas” já tentado no início do século XX.

Sílvio Humberto é vereador de Salvador pelo 3º mandato. Doutor em Economia pela UNICAMP, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, militante do Movimento Negro Unificado, fundador e presidente de Honra do Instituto Cultural Steve Biko.

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