Cosme e Damião e Ibejis: o sincretismo religioso por trás da celebração dos gêmeos
Dos Santos "anárgiros" aos Orixás da alegria: entenda o que une a celebração de Cosme e Damião, na Igreja Católica, aos Ibejis, no Candomblé

Caruru, doce e mesa de sete meninos, assim fica marcado o dia 26 de setembro, data em que se celebra os santos gêmeos: Cosme e Damião, na Igreja Católica. As comemorações, sempre muito recheada de cor, por também remeter a energia das crianças, os Ibejis, como são chamados nas religiões de matriz africana, é o ápice da celebração do sincretismo religioso. No candomblé, os Ibejis ou erês são celebrados no dia posterior, 27 de setembro.
De um lado, os católicos soltam fogos, celebram missa e fazem procissão pela morte dos gêmeos em suas respectivas igrejas, que iniciam as celebrações no dia 26 deste mês, mas encerram no dia 27. Do outro, os tambores dos terreiros de candomblé vibram na frequência da alegria e da pureza que uma criança traz ao ambiente.
Você pode se perguntar o que une uma religião a outra? O professor da Universidade Federal do Tocantins, Tedson Souza explica. Em entrevista ao bahia.ba, Souza, que também é doutor em antropologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), diz que a força motriz que liga as duas festas é o sincretismo religioso.
“Falando de Cosme e Damião, eles eram santos católicos, que são irmãos gêmeos, que eram considerados protetores das crianças, por conta disso, esse sincretismo com a questão dos erês. Eu acho que o que vale a pena é a questão da fé. É importante que elas expressem a sua fé e tenham liberdade religiosa em meio a tanto cerceamento das religiões de matriz africana e a tanto preconceito que a gente tem hoje”, afirmou Souza.
As celebrações para Cosme e Damião, no entanto, foram iniciadas durante o período colonial e o sincretismo fez com que os santos católicos fossem cultuados também entre o povo de santo, como uma forma de manter viva a crença dos povos africanos em seus orixás.
A teoria foi endossada pela Yalorixá Mãe Sany de Yemanjá, que também é professora de História. Ao bahia.ba, ela contou como surgiu o santos gêmeos e a diferenciação entre eles e os Ibejis.
“A união de Cosme, Damião e os Ibejis nada mais é que o sincretismo religioso. Forma encontrada pelos escravos de sobreviver através das figuras [imagens] católicas. O Cosme e Damião são Santos Católicos que viveram na Síria (Ásia Menor), no século III, se apresentavam em figura [imagem] adulto como: médico, gêmeos, padroeiro dos médicos e dos farmacêuticos; muito conhecidos pelos seus zelos com a comunidade e priorizaram o cuidado às crianças. Exerciam a profissão prestando serviços gratuitos, o que lhes rendeu o título de “anárgiros” [sem prata, sem dinheiro]”, disse a Yalorixá.

Em seguida, ela complementou: “Foram santos católicos martirizados, posteriormente canonizados pela Igreja Católica. Já na tradição Iorubá, nós temos os Ibejis, que são orixás também gêmeos protetores das crianças, que representam a alegria, infância, dualidade e inocência. Por conta dessa semelhança os escravos viram uma forma para sobreviverem e darem continuidade ao sagrado”.
Questionada sobre a possibilidade de desassociar uma crença da outra, Mãe Sany de Yemanjá foi enfática e argumentou que o sincretismo foi necessário para os antepassados, mas que atualmente, não há motivos para manter as tradições sincréticas.
“Sim! Segundo minha Yalorixá Mãe Stella de Oxóssi “Ode kayode”, foi-se necessário o sincretismo devido às perseguições religiosas que os nossos antepassados sofreram durante séculos, porém com a evolução da sociedade houveram mudanças que fizeram com que ocorre-se a desvinculação do catolicismo e das tradições Iorubá, dando uma nova visão e nomenclatura para o que hoje conhecemos como ‘religião de matriz africana’. Embora muitos terreiros ainda preservem o sincretismo como forma de não esquecer o passado, ele também serve para transmitir o papel fundamental que teve na sobrevivência da religião e na liberdade de cultuar nos dias de hoje”, explicou ela.
Mas, o que são os Ibejis/erês nas religiões de matrizes africanas?
No candomblé e na Umbanda, os Ibejis ou erês são orixás gêmeos, que representam a pureza das crianças, filhos dos orixás Xangô e Iansã, mas criado pela Orixá Oxum.
“São divindades que representam alegrias e pureza da infância através do transe de um médium como criança. Apesar de se apresentar dessa forma, o erê é algo sério e que tem como papel ser o intermediário entre o iniciado e o orixá, transmitindo ensinamentos, recados e sabedoria”, disse a Yalorixá.
Nos rituais, os erês se comportam como crianças, e por vezes, brincam, pedem por doces e se comunicam com a dificuldade típica de uma criança que ainda aprende a falar.
Distribuição do caruru
A tradição de cozinhar um caruru, por exemplo, iniciou com os povos iorubás, mas foi se fundindo com o catolicismo, que adotou caminhos parecidos para celebrar os gêmeos. O antropólogo Tedson Souza diz acreditar que o ato da distribuição da culinária representa a expressão do povo da Bahia.
“Como na festa do Bonfim o ritual de lavar as escadarias, ele ganha um protagonismo até maior do que o ritual católico. Porque é a cara do nosso povo, da nossa cidade, nós uma cidade preta. É muito natural que o ritual dos nossos ancestrais ganhe protagonismo. Então, é importante que o caruru de Cosme ganhe protagonismo nas casas que se autodenominam católicas, nas casas da população branca baiana, porque é a expressão do nosso povo”, afirmou.
Já Mãe Sany de Yemanjá explicou o significado da distribuição do prato tanto para o Candomblé como para o catolicismo.
“O caruru é uma comida típica de candomblé que com o sincretismo foi associado a Cosme e Damião. É um alimento sagrado utilizado no culto como agradecimento ou pedidos. O preparo é feito dentro do terreiro sendo específico para cada situação, ele é oferecido para os orixás, erê, membros do terreiro e comunidade. Já no catolicismo o caruru é realizado no intuito de agradecer as Graças alcançadas e é ofertada às crianças junto com doces e até mesmo brinquedos”.

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