Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Heróis, segurança e liberdade
Ainda não se sabe se o helicóptero da PM-RJ foi alvejado por criminosos, mas, o certo é que mais quatro heróis perderam a vida nesta nossa guerra particular


Mesmo sem desconhecer que os problemas de segurança pública possuem especificidades locais muito relevantes, inegavelmente, em termos de Brasil, é praticamente impossível não vermos o estado do Rio de Janeiro, como uma importante referência em termos de políticas públicas de combate ao crime violento em grandes cidades.
Nesse sentido, quando, no último sábado (19), o Brasil e o mundo tomaram conhecimento da queda de um helicóptero da Polícia Militar, durante uma operação na Cidade de Deus, favela na zona oeste da capital carioca, causando a morte trágica de quatro policiais, mais uma vez, a história do combate ao tráfico de drogas no nosso país, sofreu um duro golpe.
Diferentemente do glamour e da espetacularização de seis anos atrás, quando, em uma ação integrada de “pacificação”, envolvendo efetivos das Polícias Militar e Civil, Exército, Marinha e Aeronáutica, o conjunto de favelas do Alemão foi invadido e ocupado, hoje, as imagens da aeronave sinistrada, além de uma sensação de impotência e incredulidade na população nacional, causaram uma grande comoção no seio das forças de segurança pública, particularmente, nas coirmãs da corporação vitimada.
Infelizmente, nós, cidadãos brasileiros, não temos uma visão clara da dimensão que os reveses sofridos pelas forças de segurança possuem em termos dos esforços do Estado para nos proteger, pois, os papéis preventivo e repressivo não se excluem, é certo, mas apontam de forma diversa para um mesmo problema: as forças de segurança estão perdendo sua capacidade operacional.
Como nada acontece por acaso e nenhum mal acontece sem pelo menos o nosso secreto consentimento, não é de hoje que perdemos a ilusão de que as Unidades de Polícia Pacificadora bastariam para que transitássemos de fato da “guerra” para a “paz”, no que se refere aos modos de o Estado gerenciar a vida e os conflitos sociais em aglomerados subnormais. Assim, queiramos ou não, é forçoso reconhecer que a segurança pública no nosso país e, particularmente no Estado do Rio de Janeiro, vive uma situação de colapso, pois, são claros os sinais de que o modelo se esgotou.
Os reveses apontam para um problema: as forças de segurança estão perdendo sua capacidade operacional
E que ninguém objete, precipitadamente, alegando exagero, pois mesmo que esta conclusão pareça emocional e exacerbada, tem alguma base na realidade. Afinal, até os analistas mais equilibrados têm apontado que chegamos aonde chegamos em razão de uma histórica ausência do Estado no campo social, combinada com a sua negligência, senão leniência em relação à segurança pública e às organizações policiais estaduais, em particular.
Nesse cenário, não podemos nos eximir das consequências de sermos uma sociedade que não valoriza os seus guardiões e, não os valorizando, não cobramos dos governos o tratamento que merecem, diante da grandeza de sua missão de proteger a sociedade, dotando-os de estruturas e condições de trabalho adequadas, de efetivos suficientes e recursos financeiros que possam ser investidos à altura das suas necessidades e perdemos a fé na capacidade do Estado de por fim ao poderio do tráfico de drogas sobre bairros e territórios nas nossas cidades e de impor a paz.
Se a paz não começa com o fim da guerra, está mais do que comprovado que, na gramática da pacificação social, os verbos bélicos como invadir, ocupar, prender, expulsar, eliminar etc., sozinhos, não são capazes de transformar os discursos e promessas dos nossos governantes em realidade, pois, como nos alerta Luiz Flavio Gomes, essas ações ou estados só ganham sentido e concretude quando combinados ou substituídos por outros como urbanizar, educar, civilizar, integrar, promover justiça, saúde, lazer, etc..
Nessa lógica, é fundamental que se reconstrua a relação polícia-sociedade entre nós, pois o fato do nosso sistema de segurança pública ter suas mazelas e necessitar urgentemente de melhorias e correções de rumo não pode e não deve ser o fato gerador da indiferença da sociedade com aqueles que arriscam suas vidas para a sua proteção.
Ainda não se sabe se a aeronave sofreu uma pane ou foi alvejada por criminosos, mas, o certo é que mais quatro heróis perderam a vida nesta nossa guerra particular. Lamentavelmente, embora o morticínio entre nós ganhe, a cada dia, mais vítimas, governos e sociedade parecem não mostrar sensibilidade para o problema. É como se vidas humanas, principalmente as dos policiais, não importassem.
Nessa lógica, mais uma vez, sou levado a lembrar de Bertold Brecht, pois, sempre que releio a sua frase “Triste país aquele que não tem heróis. Triste país aquele que precisa de heróis” fico pensando quantas vidas terão que se perder para que venhamos a entender que toda sociedade que precisa de heróis para se proteger ainda é escrava da tirania do medo e da ignorância, principalmente por não saber que a segurança, assim como a liberdade, é uma produção coletiva.
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