Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Tudo o que está ruim pode piorar
Nos dias atuais, o Congresso Nacional é a prova viva de que tudo o que está ruim pode ficar pior sim, e muito!
Há um velho ditado inglês que diz assim: “Tudo que está ruim pode piorar”. Não sei o que acontece no cotidiano dos britânicos, mas, para nós, com certeza, mais do que um dito popular, esta frase representa um axioma, uma verdade tão científica quanto as leis da física. E, nos dias atuais, o Congresso Nacional é a prova viva de que tudo o que está ruim pode ficar pior sim, e muito!
Tudo bem que a imagem dos nossos deputados federais e senadores, como a de toda classe política em geral, entre nós, nunca foi boa, todavia, nunca foi tão negativa como agora quando, através de uma emenda ao pacote de medidas propostas pelo Ministério Público Federal, articulava-se mais uma tentativa de anistiar políticos flagrados com caixa dois, expondo de forma nua e crua os altos níveis de corrupção dos líderes do Congresso Nacional.
A estratégia que reedita a fracassada tentativa, ocorrida em setembro, quando os líderes da Câmara dos Deputados tentaram inserir de forma sorrateira na agenda de votação uma lei que, além de os livrar das sanções por violações das leis de financiamento de campanhas eleitorais, pela prática do chamado caixa dois, também objetivava atacar e enfraquecer os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário, deixando bem claro que controlar a corrupção desenfreada que grassa neste país não será fácil.
Apesar de não sermos o país mais corrupto do mundo, nem estarmos entre os piores, é fato que ainda estamos muito longe de ostentarmos um padrão satisfatório de honestidade e seriedade no trato da coisa pública e ainda temos muito a melhorar no enfrentamento da corrupção, pois, não há Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário que resolvam de forma eficaz este problema, se não mudarmos o sistema.
A crise é moral, a crise é ética. E sem resolvermos isso, não há esperança! Nessa lógica, não é uma surpresa que a maioria dos políticos eleitos no atual sistema não se entusiasme com o pacote de medidas propostas pelo Ministério Público Federal e trabalhe para a aprovação de uma anistia para todos, inclusive para aqueles que são alvo da Operação Lava Jato, que usaram, sem declarar à Justiça, dinheiro recebido de empreiteiras em campanhas ou atividades partidárias.
Na política brasileira, chegamos ao
fundo do poço e não há como piorar
Independentemente das manobras dos congressistas, o agravamento do cenário político, com a reação da sociedade civil, protestando e convocando pelas redes sociais uma manifestação contra a votação do projeto, deverá enterrar, via acordo entre o Executivo e o Legislativo ou, até mesmo, pelo veto presidencial, qualquer tentativa de uma anistia ampla, geral e irrestrita ao caixa dois.
Cumpre ressaltar que essa ideia de evitar uma retroação dos efeitos da criminalização do caixa dois, na prática, se traduz no perdão de condutas passiveis de serem denunciadas pela Lava Jato como corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, entre outros delitos, pois a simples tipificação do crime de caixa dois dispensa a ressalva de que a lei não poderá ter eficácia retroativa. Afinal, pelo princípio da irretroatividade da Lei Penal, esta não retroage para julgar fatos passados, salvo para beneficiar o réu.
É claro que nos atuais parlamentares que compõem o Congresso Nacional, independentemente de partidos e ideologias, dificilmente se poderá ter confiança plena e esperança de demonstrações cabais de que, efetivamente, apoiam o combate à corrupção, até porque tais práticas estão tão enraizadas na cultura política do nosso país que mudanças a este nível, no atual sistema, durarão gerações.
Infelizmente, temos uma vergonhosa tradição de práticas clientelistas e patrimonialistas que em sua etiologia, além da matriz cultural, possui fatores como a fragilidade das instituições democráticas, Poder Judiciário, Ministério Público e tribunais de Contas, além da ausência de mecanismos de fiscalização populares desses órgãos. Afinal, as denúncias, a vigilância e a exigência de mudanças deve partir da sociedade que sofre os efeitos danosos da corrupção desenfreada propiciada pelo modelo existente no nosso país.
Quanto à reputação da classe política no Brasil, contrariando a velha máxima britânica, para Timothy J. Power, professor de estudos brasileiros da Universidade de Oxford, chegamos ao fundo do poço e, realmente, não há como piorar. Nesse sentido, não coadunando com o entendimento do brasilianista, deixo um recado para aqueles que comparam o nosso Poder Legislativo à “House of Cards”: Permitam-me discordar. Na verdade, considero a série política da Netflix, muito mais crível!
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