Publicado em 19/05/2020 às 15h58.

Advogado não vê ilegalidade em lockdown e diz que há afronta a governadores e prefeitos

Mestre em direito público, Jeffiton Ramos afirma que medidas restritivas contra pandemia fazem parte das atribuições dos gestores

Alexandre Santos / Matheus Morais

Governadores e prefeitos que decidirem decretar medidas duras de restrição social, dentre elas o chamado lockdown, agem dentro de suas competências no que diz respeito à adoção de ações para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, afirma o advogado Jeffiton Ramos, mestre em direito público.

“Como não há um conceito legal do lockdown no Brasil, a gente entende o lockdown como uma série de medidas que, juntas, formam o lockdown E, dentro dessa série de medidas que formam o que se subentende como lockdown, estão lá, sim, medidas de competência de gestores estaduais e municipais”, explicou Ramos em entrevista ao bahia.ba. O advogado foi o convidado desta terça-feira (19) da série de lives promovidas pelo portal em sua conta no Instagram.

Alvo de opiniões controversas e rechaçado pelo presidente Jair Bolsonaro, o lockdown (bloqueio total) é uma realidade que já vem ocorrendo em cidades do Maranhão, Pará, Ceará e Rio de Janeiro. A política de isolamento social é a principal recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) para controlar a disseminação da Covid-19.

Em Salvador, o prefeito ACM Neto (DEM) já afirmou publicamente não descartar adotar o modelo extremo, cujo objetivo é restringir a circulação nas ruas e permitir apenas a ida a hospitais, farmácias e supermercados. Segundo prefeito, uma eventual implementação de um lockdown na capital baiana, no entanto, dependerá de aval do governador Rui Costa (PT) —caso as ações restritivas setoriais impostas em alguns bairros não reduzam a taxa de contaminação do coronavírus.

“É da competência do gestor municipal, por exemplo, regular o seu comércio. Ele diz: ‘Olha, o comércio vai ficar fechado dentro das medidas restritivas de lockdown’. Ele está no direito de fechar. Quando ele proíbe o acesso a determinadas vias públicas, ele também está na sua competência”, prossegue o advogado Jeffiton Ramos.

“A gente pode entender a legalidade desse lockdown se a gente fatiar as medidas que estão sendo adotadas entendendo elas como um conjunto de normas, e não como uma medida simples e exclusiva, como se está se discutindo por aí. O gestor estadual ou municipal fala assim: ‘Sob o ponto de vista de minha competência, eu faço isso, faço aquilo, e efetivamente adoto essas medidas’. Forma-se então um conjunto de medidas em que se denomina ser o lockdown”, reitera o especialista.

“É importante que as pessoas saibam que as mediadas podem, sim, ser adotadas.”

Apesar de impactar no direito constitucional de ir vir das pessoas, Ramos diz que tanto a população quanto os gestores públicos devem agir com bom senso.

“O que a gente tem visto aí é um afrontamento. ‘Eu vou me reunir, eu vou pro bar, eu vou fazer festa, o diacho a quatro’. É preciso usar o bom senso nesses casos. Não pode simplesmente sair e buscar o enfrentamento nesse momento”, sugere o advogado.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Conceito importado

Primeiro, precisamos entender o que é lockdown. Lockdown é um conceito americano emprestado aqui ao Brasil. Um conceito que surgiu lá nos idos de 1970, 1975, mais ou menos, com a junção de dois termos (lock e down), que definia o ato de manter prisioneiros na cela. Depois esse conceito foi ampliado no sentido de ser utilizado para diferentes protocolos.

No Brasil, ele vem num conceito entre estado de defesa e estado de sítio, apesar das mesmas ou semelhantes atribuições, no sentido de bloqueio, com a adoção de medidas rígidas e extremas, na limitação de pessoas em razão de situações emergenciais.

Brasil não possui legislação sobre o tema

No Brasil, ele já vem sendo adotado no Maranhão, Pará, Fortaleza… Aqui em Salvador, de modo segmentado em determinados locais, de modo que a sua implementação, no Brasil, não conta com uma legislação específica.

O que existe no Brasil, e que se assemelha bastante ao lockdown, é o estado de sítio, previsto na situação mais gravosa, no inciso II do artigo 137 da Constituição Federal, e que só pode efetivamente ser implementado em casos de declaração de guerra ou agressão armada estrangeira.

É um regime adotado em uma situação de extrema necessidade, uma situação de extremo perigo nacional. Em razão dessas alocações, você vê que já é bastante questionável essa questão do lockdown aqui dentro do Brasil, da forma que está sendo utilizado.

A meu ver, o que está acontecendo em relação a essa questão do lockdown: pega-se lá um conceito estrangeiro, diferente do que efetivamente se tinha aqui dentro do país, que é o estado de sítio, o estado de defesa, e se diz assim: “Vamos ver como a gente encontra aí, dentro dessa crise toda, uma forma de estabelecer determinados regimes diferenciados de restrição de direitos, principalmente no direito de ir e vir, e que possamos utilizar isso”. E aí foi feito.

Interesse público x interesse privado

É importante dizer que esse regime [do lockdown] é um regime extremamente impositivo e bastante restritivo de direitos, como nós já dissemos. Segundo a Constituição determina, ele não pode ser implementado assim, ainda que por meio de lei ordinária ou decreto do chefe do Executivo. Estamos falando aí de uma adaptação nesse momento para a implantação desses conceitos.

Essa restrição, do princípio da locomoção, diante de um estado de exceção sanitária em que vivemos hoje, está sendo relativizada por outros dois princípios: o princípio da supremacia do interesse público sobre interesse privado e o princípio da proporcionalidade.

Não há inconstitucionalidade

Qual o conflito que se estabelece nesse momento? Com relação aos direitos individuais, nós temos aí o princípio da livre locomoção. Sobre a questão do coletivo, a saúde da população. Então, o que deve pesar mais nesse momento, diante dessa situação toda? O que é que deve prevalecer nesse atual momento em razão desse estado de exceção sanitária? Então é isso. As implementações que estão sendo feitas com relação à sua implementação e à sua necessidade de observância são justamente desse ponto de vista.

Mas aí a gente tem que entender, como defendem alguns, que o lockdown, por seu regramento não ser tão gravoso, como um estado de sítio, não ofenderia a Constituição Federal.

Já que não há essa rigidez de aplicabilidade, como é o estado de sítio, que eu preciso de intervenção de determinados aspectos, como quebra de sigilo de correspondência e uma série de outros fatores, não haveria aí a inconstitucionalidade.

Bom senso deve prevalecer

Eu posso sair para me exercitar sozinho, sem sintomas? Eu não tenho sintomas nenhum de Covid? Eu sozinho ou com uma pessoa a mais, a 1,5 metro, 2 metros de distância? Posso. Não há problema nenhum. As autoridades têm que entender isso. É possível isso? É possível. Não há aglomeração? Não há aglomeração.

Agora, eu posso sentar num bar ou restaurante? Eu não posso. Posso entrar no parque em que foi determinado o fechamento em razão disso? Não posso, ainda que meu direito se permita em relação a isso. Mas o bom senso não é só do cidadão. As autoridades também têm que ter bom senso.

Eu tenho visto aí, nesses municípios do interior, fechamento de cidades. O prefeitos e prefeitas simplesmente dizem que “ninguém entra, ninguém sai”.

Essas barreiras podem existir desde que sejam barreiras sanitárias. Olha o absurdo… Vamos dizer que eu, cidadão, ande pela cidade e tenho lá os sintomas da Covid. “Não, aqui você não entra. Pode ir embora”. Embora pra onde? Ora, você é autoridade pública. Se eu estou com sintomas, o mínimo que você tem que fazer é me encaminhar para uma unidade de atendimento de saúde, e não me expulsar da cidade.

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