Pedidos de vista param 225 ações no Supremo
Segundo dados da FGV-RJ, prazos para a análise dos ministros são cumpridos em apenas 20% dos casos
O Supremo Tribunal Federal tem 225 pedidos de vista distribuídos entre seus 11 ministros, segundo dados oficiais atualizados nesta sexta. O último a entrar na conta foi o do ministro Dias Toffoli, que na sessão plenária de quinta-feira (3) pediu mais tempo para analisar ação em que se discute se réus em ação penal podem ocupar cargos que estão na linha sucessória da Presidência da República.
Se não tivesse pedido, já estaria valendo a maioria estabelecida de seis votos contra a posse de réus, o que colocaria em risco o cargo do presidente do Senado, Renan Calheiros, que responde a 11 inquéritos na Corte e uma denúncia está pendente de análise. Com mais esse, Dias Toffoli tem 18 pedidos de vista, segundo informou seu gabinete.
São os “perdidos de vista”, para usar a expressão cruelmente jocosa do ministro Marco Aurélio Mello. Ou os pedidos de “vista grossa”, como já brincou o ex-ministro Ilmar Galvão. As piadas metem o dedo na ferida: os ministros do Supremo, ontem como hoje, com pontualíssimas exceções, desrespeitam todos os prazos legais para a devolução dos pedidos de vista. Começando pelo princípio constitucional que assegura a celeridade do processo, avançando pelo Código de Processo Civil – máximo de 20 dias, artigo 940 – e pelo seu próprio regimento interno. Este, no artigo 134, estabelece, para a devolução, o prazo de duas sessões ordinárias. Ainda há a resolução 202, de 2015, do Conselho Nacional de Justiça, com o prazo máximo de 20 dias.
“O pedido de vista tem sido usado pelos ministros do Supremo como um poder absoluto, incompatível com a democracia. Eles desrespeitam os prazos do próprio regimento do Supremo, como se desrespeitassem a si próprios”, disse ao Estado o jurista Joaquim Falcão, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, que coordena o projeto Supremo em Números. Pelos dados do projeto, apenas 20% dos pedidos respeitam o prazo regimental máximo, informou Falcão. Os que ultrapassam o prazo duram, em média, 443 dias.
Na Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental – como a que Toffoli pediu vista – a média de demora para a devolução é de 1,9 ano, segundo a FGV. “Como o regimento não estabelece punição, usa-se e abusa-se do pedido de vista”, diz Falcão.
Motivos- Exemplos de abusos são fáceis de encontrar. Na relação de pedidos de vista já devolvidos, disponível no site do STF, há casos em que os pedidos foram feitos em 2007, e só devolvidos, pela ministra Cármen Lúcia, atual presidente, em 11 de fevereiro deste ano, quase dez anos depois. No caso, são duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade movidas pela Ordem dos Advogados do Brasil contra a Presidência. Na mesma relação, vê-se que a ministra devolveu pedidos de vista que retinha desde 2010 e 2011. Um outro, que ela herdou do ex-ministro Nelson Jobim, que pediu vista em 2002, só foi devolvido em março deste ano.
Um caso recente, que fez barulho, tratava de financiamento de campanhas eleitorais. Gilmar Mendes passou mais de um ano para devolver o processo. No dia 15 de setembro, o ministro Luis Roberto Barroso pediu vistas em dois recursos extraordinários que tratavam do fornecimento de remédios de alto custo não disponíveis da lista do SUS, e de medicamentos não registrados na Anvisa. Devolveu no dia 28 – quase um recorde. Mas aí foi a vez do ministro Teori Zavascki – que ainda não devolveu.
“Pedir vista faz parte do julgamento, para maiores esclarecimentos, mas é importante que o pedido seja devolvido dentro dos prazos”, diz o advogado Carlos Veloso, ex-ministro do STF. “O enorme volume de processos pode até explicar esses atrasos, mas não os justifica”. Ele lembrou que a Constituição impõe celeridade, mas sopesou com uma frase latina – Ad impossibilia nemo tenetur (Ninguém está obrigado ao impossível) – frisando “a carga imensa de processos”.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, é outro a defender o cumprimento da lei. “A partir do novo Código de Processo Civil foram estabelecidas regras que valem para todos os magistrados quanto ao prazo de vista processual. Essas regras precisam ser cumpridas”, afirmou.
“O ministro que não respeita prazo deve ser julgado administrativamente, mesmo que seja pelo próprio Supremo”, defende Falcão. Ele sugere que o STF acrescente ao regimento interno que, ultrapassado o pedido de vista, o processo entre em pauta ex-officio, como em vigor no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde os ministros têm 90 dias para devolver o processo.
Na análise de Falcão, o controle do abuso de pedido de vista tem desafiado a autoridade de todos os presidentes anteriores, e até do próprio plenário, que fica silente diante da violação regimental. “Resta saber se o ministro Dias Toffoli respeitará o prazo e, caso não respeite, o que fará a ministra Cármen Lúcia”, concluiu.
Cármen não deu retorno à solicitação da reportagem.
Mais notícias
-
Justiça
18h21 de 22 de abril de 2024
Ministra mantém indenização de Deltan a Lula por caso de powerpoint
Decisão é da ministra Cármen Lúcia, do STF
-
Justiça
08h42 de 22 de abril de 2024
Desembargadores afastados alegam ‘medida excessiva’ do CNJ e recorrem ao STF
Loraci Flores de Lima e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz estão sob investigação relacionada às irregularidades na Operação Lava Jato
-
Justiça
07h23 de 22 de abril de 2024
Mobilização indígena em Brasília vai pressionar contra marco temporal
Acampamento Terra Livre deste ano deve ser o maior da história
-
Justiça
07h30 de 20 de abril de 2024
DPU quer indenização de R$ 1 bilhão da X por danos à democracia
Ação proposta pela Educafro e o Instituto Fiscalizaçã e Controle
-
Justiça
21h20 de 19 de abril de 2024
PF diz que perfis bloqueados por Moraes continuam realizando lives
Postagens trazem ataques e informações falsas
-
Justiça
15h47 de 19 de abril de 2024
Dino quer ouvir Congresso sobre suposta ilegalidade em emendas
Parlamento tem prazo de 15 dias para se manifestar
-
Justiça
14h47 de 19 de abril de 2024
Advogados de Jair Bolsonaro pedem que STF anule a Operação Tempus Veritatis
Em mais uma ação protocolada em nome do PP, advogados do ex-presidente da República querem anular atos de Alexandre de Moraes e provas da operação que mirou golpismo
-
Justiça
14h37 de 19 de abril de 2024
Arquidiciose de Salvador e Devoção do Senhor do Bonfim não chegam a acordo em audiência
Foi marcada uma nova sessão para o dia 13/05, na sede do TJBA
-
Justiça
13h36 de 19 de abril de 2024
Dino interrompe julgamento do STF sobre suspensão judicial do WhatsApp
Justiça pode tirar do ar plataformas que se recusarem cumprir ordens judiciais
-
Justiça
10h51 de 19 de abril de 2024
Suposto esquema de corrupção leva CNJ a avaliar plano de intervenção no TJBA
Medida é considerada grave pelo Conselho Nacional de Justiça