Farmácia Sant’Ana: prejuízo para funcionários, fornecedores e locatários?
Como garantir direitos em processos de recuperação judicial
A Farmácia Sant’Ana tem até a próxima segunda-feira, dia 26 de março, para informar à Justiça como vai conseguir superar a situação de grave crise econômico-financeira. É o primeiro dia útil depois do encerramento do prazo para a empresa apresentar o plano de recuperação judicial, etapa do processo ajuizado no dia 10 de janeiro deste ano na Justiça de São Paulo pela Brasil Pharma, holding que hoje é dona da rede.
A Sant’Ana já foi a maior rede de farmácias da Bahia, mas hoje enfrenta a pior crise nos seus 71 anos de história. A empresa, que nasceu em Itaberaba, interior da Bahia, tem dívida de R$ 1,2 bilhão com o banco BTG Pactual, demitiu cerca de 500 funcionários e fechou 46 das 114 lojas no estado (40% do total). A Sant’Ana, farmácia mais lembrada pelos baianos entre 1995 a 2017, quando foi campeã em todas as edições que concorreu ao Top of Mind, começou a enfrentar problemas em 20 de dezembro de 2011. Neste dia um incêndio destruiu a central de distribuição da rede, localizada na Avenida Paralela. Pouco tempo depois, em fevereiro de 2012, a rede foi vendida à Brasil Farma, que não conseguiu manter o bom desempenho da Sant’Ana.
Para o administrador judicial e advogado especializado em recuperação judicial Rodrigo Accioly, a recuperação judicial é uma ferramenta eficiente para o reestabelecimento da atividade econômica das empresas em dificuldade e que pode garantir direitos dos funcionários, fornecedores e locatários. “É um remédio amargo, mas que pode significar o reestabelecimento da atividade econômica, da geração de recursos e a garantia de empregos”, afirma. O preconceito ainda existe quando se fala em recuperação judicial, por parte até do próprio empresário. É mal vista pela sociedade, que marca as empresas como mau pagadoras. Para muitos é uma derrocada, muitas vezes confundida com falência.
Mas esse estigma vem mudando aos poucos. Rodrigo Accioly acredita que os bons resultados de superação da crise estão sendo alcançados por causa do trabalho que vem sendo realizado pelo judiciário, administradores judiciais, para ele figuras fundamentais nesse processo, e Ministério Público (MP), que também acompanha a recuperação. Um estudo realizado pela PUC de São Paulo mostra, em sua primeira fase, que foram distribuídos 194 processos de recuperação judicial em 3 varas especializadas na capital paulista entre 01/09/2013 e 30/06/2016, sendo que 93,9% dos planos apresentados nas Assembleias Gerais de Credores (AGC) foram aprovados. Outro dado mostra que 6,1% das empresas faliram antes da primeira AGC. Ainda de acordo com a pesquisa, 12,9% das empresas faliram cumprindo o plano, em média, 2 anos após sua aprovação. Até o momento apenas uma recuperação acabou.
Segundo o Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações, em 2017 foram requeridos 1.420 pedidos de recuperações judiciais em todo o país, número 23,8% menor do que o apresentado em 2016 (auge do processo recessivo iniciado em 2014), quando o resultado (1.863) foi o maior para o acumulado do ano desde 2006, após a entrada em vigor da Nova Lei de Falências (junho/2005), que inseriu o instituto da recuperação judicial no Brasil. As micro e pequenas empresas lideraram os requerimentos de recuperação judicial de 2017. De acordo com estudos do Instituto Nacional da Recuperação Empresarial (INRE), nos 10 primeiros anos da Lei, foram 6.938 pedidos de recuperação judicial e 3.859 pedidos de falência. A conta inclui empresas de todo o país e foi feita considerando dados das Juntas Comerciais de todos os estados. A Serasa Experian não tem indicadores específicos da Bahia.
Rodrigo Accioly acredita que a recuperação judicial no estado dará um grande salto depois de uma ação realizada esse ano pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA). Em janeiro foram criadas as duas primeiras varas empresariais que contemplam também competência para processar recuperação judiciais e falências. Elas funcionam no Fórum Ruy Barbosa. “Esse foi um passo importante do TJBA, pois as varas vão concentrar juízes e servidores que vão se dedicar exclusivamente à matéria, que é extremamente específica e complexa, o que é muito importante para o resultado do processo”, comenta o advogado.
Sobre o caso específico da Farmácia Sant’Ana, o advogado Rodrigo Accioly diz que não conhece os autos do processo da recuperação judicial do grupo BR Pharma, “mas, em tese, se a recuperação for conduzida dentro dos ditames da Lei 11.101/05, se for elaborado um plano de recuperação viável apto a ser aprovado pelos credores e se o grupo efetivamente implementar medidas saneadoras (com redução de despesas, otimização da sua operação, aumento de faturamento e rentabilidade), é absolutamente viável a superação da crise”, comenta o advogado, que conclui: “A expectativa é de que o grupo consiga superar essa crise, através de uma recuperação judicial bem conduzida, resguardando os direitos e interesses dos empregados, fornecedores e locadores”.
Importância do Administrador Judicial
A figura do administrador judicial é peça chave para que o plano de recuperação dê certo, podendo evitar que haja o prejuízo dos credores. O juiz nomeia um administrador judicial, pessoa ou empresa, de sua confiança, que é responsável em auxiliá-lo, sendo o fiscal do processo. É o administrador quem visita a empresa para verificar se o que tem sido dito ou os documentos encaminhados são verdadeiros. Visita as lojas e os estoque, verificando se o que está ali é o que vem sendo declarado. Como tem fé pública, o administrador pode solicitar documentos.
É um trabalho complexo que exige uma equipe multidisciplinar, composta por administrador, advogado, contador e auditor. O administrador precisa ser acessível aos credores. Uma das ferramentas pode ser um site, para dar a publicidade necessária às informações do processo: relatórios, petições documentações, e-mails, entre outros. Durante todos os meses da recuperação, a empresa precisa apresentar ao administrador judicial documentação contábil, fiscal da gestão, trabalhista e processual. Ele elabora o Relatório Mensal de Atividade (RMA), que é anexado ao processo e reportado ao juiz, credores e Ministério Público. É uma espécie de retrato da empresa naquele mês. Informa faturamento, receita, número de empregados, variação de estoque, podendo identificar o desempenho da empresa durante a recuperação e se está havendo alguma fraude ou irregularidade. Dois exemplos da importância do papel do administrador são os casos da Livraria La Selva e do Grupo Schahim, que aconteceram no início do mês de março desse ano. Neles os administradores informaram que o plano não estava sendo cumprido, levando o juiz a decretar a falência das empresas.
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